quinta-feira, 30 de julho de 2009


A CRUEL IDADE
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Nunca gostei de chamar a terceira idade de melhor idade. Agora, que sou quase sexagenário, estou ainda mais convencido de que essa não é a melhor idade. Não posso dizer também que é de todo ruim envelhecer, mas algumas transformações mais atrapalham do que animam a vida. Essa história de dizer que é bom envelhecer porque vamos ficando mais experientes em muitas coisas, deixa-me sempre com a sensação de que bom mesmo é ser jovem e inexperiente. Bom mesmo deveria ser alcançar a experiência ainda jovem, para não cometer tanta insensatez. Uma delas, a de levar a vida trabalhando para o governo na esperança de um dia descansar (não definitivamente – risos).
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Todos que trabalham pensam em um dia estar definitivamente aposentado (não terei essa chance, vou morrer trabalhando) para viver o justo repouso. Para muitos, a chegada desse momento é o período de maior decepção. Uns sentem falta do trabalho porque a vida os viciou, mas na verdade ao parar de trabalhar muitos percebem que a vida de aposentado é um verdadeiro tormento.
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Ontem atendi a um paciente de 76 anos que já frequenta habitualmente minha clínica desde a época em que ainda trabalhava num consultório situado à Rua da Alegria. Seguramente, mais de 20 anos de acompanhamento cardiológico. Já não vivemos uma mera relação médico/paciente, mas uma relação de amigos (às vezes até brigamos, muitas vezes nos divertimos um com o outro). Nessa última visita percebi que estava muito entristecido. Procurei ver o que se passava e ele me revelou cabisbaixo: “doutor, depois de tantos anos de convívio eu vou lhe abandonar. Não que esse seja o meu desejo, mas o problema é que não consigo mais pagar o valor de meu plano de saúde. Tenho que fazer uma opção entre comer ou pagar o meu plano em dia”.
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Completou seu desabafo diante do desrespeito que tem o governo com essa categoria, e acrescentou laconicamente: “o meu salário não sobe há muito tempo e nada posso fazer para reivindicar. Que força tem um aposentado para exigir respeito? Os ativos fazem greve. O único protesto que posso fazer é realizar a greve inversa, ou seja, voltar a trabalhar, e para isto já não sirvo”. Deu-me vontade de chorar ao ouvir aquele desabafo, e ao mesmo tempo pela despedida depois de tantos anos de convívio, porque o incentivei a continuar comendo.
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Ao mesmo tempo fiquei imaginando que naquela idade as doenças não poupam ninguém, e justo quando ele mais precisa ter um plano que assegure o seu direito de ser atendido vai ficar na dependência de um sistema de saúde que universaliza apenas o descaso.
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Uma outra cliente, também já aposentada, definiu a crueldade da cruel idade como sendo: “aquele tempo da vida em que até genérico fica caro”.
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