COMO EXPLICAR A
DESSACRALIZAÇÃO DA AUTORIDADE?
É
muito interessante revisarmos juntos um pouco da história dos últimos séculos,
e assim entendermos melhor como foi que a autoridade foi perdendo terreno na
sociedade e na família. Percebendo o que aconteceu, talvez possamos compreender
que muito do que havia na família do passado era autoritarismo, e que a luta
contra ele em nada justifica a ausência de autoridade nos dias de hoje.
Na
cultura tradicional vigorava a autoridade forte na relação do Estado com os
súditos e no ambiente da família. Esta autoridade provinha de valores,
costumes, normas. A perda de autoridade dos governantes, incapazes de proteção
e da manutenção da paz, modificou esta situação, que sofreu um colapso. Diante
da dessacralização da autoridade política, a família entrou em crise...
Roudinesco,
em a “A família em desordem” (2003), analisa a família em três fases
evolutivas: a primeira, dita “tradicional", era regida pelo poder do pai.
O pai recebia o poder do rei, que, por sua vez, o recebia diretamente de Deus,
conforme acreditavam; a segunda, fase “moderna", é regida por uma lógica
romântica, onde o casal se escolhe sem a interferência de seus pais, procurando
uma satisfação amorosa, dividindo o poder e o direito sobre os filhos entre os
pais e o Estado e/ou entre pais e mães. Finalmente, a terceira fase,
"família contemporânea ou pós-moderna", onde a transmissão da
autoridade vai ficando cada vez mais complexa em função das rupturas e
recomposições que a família vai sofrendo.
A
família “tradicional", submetida ao poder paterno, manteve-se por séculos
e veio a abalar-se com a Revolução Francesa, que, ao propor um mundo laico,
atingiu a até então inatacável figura de Deus Pai e seus sucedâneos, os reis.
Estes são dessacralizados e destituídos, enfraquecendo consequentemente os
pais, que eram seu equivalente no seio dos lares. Esse modelo familiar
desmoronou definitivamente no final do Século XIX.
RESGATANDO A
AUTORIDADE NA FAMÍLIA
A
autoridade de um pai, ou de uma mãe, se fundamenta num conjunto de valores por
eles vividos, como por exemplo, falar a verdade, tratar o próximo com justiça,
evitar excesso de bebidas, controlarem a agressividade, dialogar, respeitar os
direitos dos outros, não roubar, viver em paz com todos, etc. São esses valores
e princípios que dão legitimidade às relações de mando e obediência. Sem eles
os pais não têm “autoridade” para pedir a um filho que cumpra suas ordens.
A
autoridade pertence ao reino da qualidade: mantém-se, perde-se e recupera-se
pelo modo de comportar-se. Para recuperar a autoridade, comece-se por melhorar,
e muito, o comportamento e as relações dos próprios pais.
A
autoridade, que em nada se parece com autoritarismo, é uma arma nas mãos de
pais e educadores. Tanto a sobredose como sua insuficiência constituem
traumatismos afetivos cujos efeitos recaem sobre a personalidade da criança. Se
somos totalmente contrários ao excesso de rigor, à disciplina pétrea, às regras
descabidas, também recriminamos a frouxidão, a folga, a ausência de limites e a
firmeza em exigir seu cumprimento. Na verdade, a demissão do exercício da
paternidade está na raiz do problema. É preciso por o dedo na chaga e
identificar a relação que existe entre o medo de punir e os efeitos
anti-sociais.
O
que os pais jamais poderão esquecer é que o afeto e a autoridade não são antagônicos,
pelo contrário, são as muletas sobre as quais se apóia a personalidade
vacilante do filho, da filha.
Já
mencionamos que os valores humanos aparecem como critérios definitivos do
sistema de ordem que deve corresponder à disciplina educativa. A restrição e a
limitação são necessárias para a consecução da ordem e a direção na vida. Uma
das primeiras coisas que o ser humano aprende é que não pode tudo: muitas vezes
na vida ficará frustrado e deprimido.