Pe. Manoel Henrique |
Padre Manoel Henrique
Vigário Episcopal
A
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vida da gente sempre tem antecedentes, nunca
se começa a vida num dia determinado. Nunca a gente nasce no dia do nascimento,
mas meses antes, sem se falar que a gente começa a nascer no desejo de duas
pessoas. E quando nascemos trazemos as marcas, as histórias, de muitos que nos
antecederam no tempo e no espaço, na memória eterna de Deus.
Mas
no dia 15 de agosto de 1973, pelas mãos de Dom Adelmo Machado, eu recebia o
sacramento do presbiterato, na Catedral de Maceió, conforme, ritual da Liturgia
de Paulo VI. As minhas expectativas de jovem se realizavam, e eu, deslumbrado,
comecei a celebrar a Eucaristia, as primeiras missas, com todas as primeiras
lembranças bem guardadas. Foi Padre Celso quem me ensinou a celebrar a Missa.
Voltei
para o Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, e, como aluno padre,
terminei meu curso de Teologia. A Teologia que aprendi aqui era marcada pelo
espírito do Concílio do Vaticano II. Recebia os primeiros banhos conciliares,
numa feliz onda primaveril, cheia de encantos e fantasias e muitos sonhos.
Viçosa,
Cajueiro, Pilar e depois, Ponta Verde, em Maceió, depois sem nada, foram me
fazendo nascer padre, sem ostentação nem manias de grandeza. Ele me conduziu ao
serviço na Comissão Regional do Clero, substituindo ao Padre José Edwaldo
Gomes, de Casa Forte, em Recife. Em seguida, ocupei a Presidência da Comissão
Nacional do Clero, junto à CNBB, em Brasília. Coube-me presidir os primeiros
Encontros Nacionais de Padres. De posse de sua memória, voltei a me encontrar
com os padres, fortalecer a caminhada dos companheiros, em tempos e lugares
completamente diferentes.
Os
primeiros anos de minha vida me fizeram escrever “O sonhos de uma caminhada” e eram os tempos conciliares, banhados
por uma época de ondas supervenientes de simpatia e alegria. Os tempos se passaram, e, mudaram. O céu
primaveril se escondeu no horizonte nublado dos anos oitenta e noventa. Houve
muitas perdas e retrocessos. Criaram-se muitas outras teorias para justificar a
Teologia do Vaticano II. Vi muita gente ser condenada ao silêncio e muitos mais
silenciarem diante do medo imposto, sem a coragem de assinarem seus textos.
Havia muito brilho, mas de ouro falso, muita beleza e ostentação sem
autenticidade. E os sonhos de uma caminhada foram se transformando em
pesadelos, com visões descaracterizadas, sem verdade, sem força de
credibilidade.
Quarenta
anos depois... e que iria eu escrever, o que teria eu a dizer aos meus amigos e
aos meus companheiros de vida e fé?!
Deus, porém, interveio decisivamente na História, proporcionando que um alemão,
Cardeal Ratzinger, Papa Bento XVI anunciando sua renúncia, num gesto
profundamente eclesial. Somente um alemão, da têmpera de um Ratzinger, operaria
tão grande façanha. Logo em seguida, a eleição de Papa Francisco, “alguém que veio de longe”, e podemos
ver a Igreja sair do inverno eclesial à primavera. De dentro de uma fortaleza,
onde vivia cercada de todos os inimigos, abre novamente as portas da Igreja.
Abandona seu palácio e se torna membro de uma hospedaria, para não necessitar
de um psiquiatra. Pastor e não doutor gosta do cheiro de ovelhas e não de
flores de altar. Não se apresentará como Santidade, mas Bispo de Roma. Por
algum momento nos fez lembrar Dom Helder Câmara, que, um dia, aconselhou Paulo
VI a deixar o Palácio do Vaticano. A Igreja volta a ser um lar espiritual,
habitada com gente, que adora o calor humano e não documentos, que por mais bem
cuidados que tragam não refletem a vida humana, mais ampla e mais exigente que
os papéis dos burocratas da fé. Mudou e novamente volto a sonhar e a cantar na
voz do povo, que sabe fazer isso com tanta espontaneidade. Quarenta anos depois, e eu sou convidado a
começar tudo de novo.
*Padre Manoel Henrique é assessor eclesiástico do Movimento Familiar Cristão em Alagoas.