Reinaldo Gonçalves*
O Papa Bento XVI exortou os cristãos a não ter medo de um compromisso político, durante uma missa ao ar livre em Viterbo, cidade ao norte de Roma que foi sede do papado durante 24 anos no século XIII. “Não tenham medo de demonstrar vossa fé nos diferentes círculos sociais, nas múltiplas situações da existência”, declarou o Sumo Pontífice, recordando ainda a vocação dos cristãos “de viver o Evangelho”, destacando que isto corresponde justamente ao “compromisso social, à ação política”.
Tal declaração vem em boa hora, quando no limiar de mais um pleito político, discute-se se a Igreja deve ter atuação política ou ser simplesmente sacramental. Este tipo de questionamento até faz lembrar as ridículas questiúnculas escolásticas. Adão tinha umbigo? O homem tinha uma costela a menos que a mulher? Os anjos eram assexuados ou não? A mulher tinha alma?
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Aproveitemo-nos de Santo Agostinho para questionar o problema: O grande doutor da Igreja disse com muita propriedade “que a Igreja foi feita para o homem e não o homem para a Igreja”, afirmação que se assemelha a que Cristo fez: “a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei”.
O homem é o maior valor existente no mundo. Tudo foi criado por Deus em razão do homem e para o homem, que é o centro nevrálgico de toda a ordem social, cósmica e telúrica. O homem está inserido num contexto de universalidade, abrangente de todos os valores existentes. Nada, portanto, existe no mundo fora do homem ou que a ele não interesse.
O homem é uma totalidade de valores imanentes, e anseios e conquistas, de caminhos a percorrer, de mundos a criar. Da mesma maneira que se não podem estrangular as palpitações de vida, que gravitam nas entranhas de uma semente, assim não se pode emascular a inteligência, a vontade e a sensibilidade do homem. Ele é por essência, por natureza, por destinação, por impulsos instintivos, um ser social, um ser construtor e operário, um ser econômico, político, moral e religioso.
A Igreja, na sua missão evangelizadora, tem que proceder como Cristo, que tomou o homem com a totalidade dos seus valores e das suas contingências. A igreja não vai retalhar o homem em pedaços: este é meu, esse do Estado, aquele da família. Esta parte é religiosa mas aquela é política, etc. O homem não é só corpo nem somente espírito. É uma síntese. Não existe esta dicotomia entre a psicologia e a fisiologia. Entre o espiritual e o material.
Negar a igreja o direito de interessar-se pelos problemas sociais, econômicos e políticos do homem, é estrangular e mutilar a sua missão de redentora do homem, e ferir este homem nos direitos primaciais que constituem a sua personalidade e os valores imanentes do seu ser.
O grande mal é que os homens abastardaram tanto a política que julgam e apreciam o comportamento da Igreja segundo essa visão míope e deformada. Sem embargo, alguns cristãos olham às vezes a Igreja como se estivessem à margem dela. Tomam distância da Igreja como se a relação dela com Jesus Cristo, seu fundador, fosse acidental e ela tivesse surgido como uma conseqüência ocasional de sua vida e de sua morte.
Portanto, essa Igreja, com doutrina e exemplo, nos exorta a ocupar-nos não só das coisas do espírito, mas também das realidades deste mundo e da sociedade humana de que somos parte. Nos exorta a comprometermo-nos na eliminação das injustiças, a trabalhar pela paz e a superação do ódio e das violências em todos os sentidos. Nos exorta a promover a dignidade do homem, sentirmo-nos responsáveis pelos pobres, os enfermos, os marginalizados e oprimidos, os refugiados, os exilados e deslocados, assim como de tantos outros aos quais deve chegar nossa solidariedade.
*Membro do MFC do Amapá