quinta-feira, 7 de abril de 2011

PAI REAL X PAI SIMBÓLICO - Artigo de Deonira La Rosa

PAI REAL X PAI SIMBÓLICO

O poder dos pais guia a criança a um destino mais alto. Porém, quando este destino cresce, começa a luta entre a consciência em evolução e aquilo que é infantil, a influência dos pais passa, então, a ser reprimida e vai se aninhando no inconsciente. Mas não é eliminada. Ao contrário, afirma Yung, a influência dos pais dirige, com fios invisíveis, as criações apararentemente independentes e individuais do espírito em amadurecimento.

A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO PAI
Todo ser humano traz dentro de si, inato, um sentimento arraigado que o faz perceber a figura do pai como algo indescritível e maravilhoso, sentimento este que chega mesmo a ultrapassar a figura do pai real, como indivíduo, como pessoa, e atinge tudo aquilo que “simboliza” o pai. Esta “função simbólica” do pai pode até vir a concretizar-se em outro homem, que não o pai biológico, ou até em uma mulher, em sua parte masculina, sua parte “pai”, que a cultura atual começa a introjetar e a fortalecer. A função simbólica paterna é que envolve a colocação de limites.

Aquele “pai simbólico”, aquele “ideal” de pai – vamos dizer simplesmente assim – se traduz, se torna concreto, na interação do filho com o pai real, biológico, ou seus representantes, e contribui para a estruturação do psiquismo da criança, abrindo novos horizontes e possibilidades de desenvolvimento.

A presença e atuação do pai favorecem a conquista da autonomia psíquica e, consequentemente, a formação do sujeito, mas o pai atua, sobretudo, através do exemplo. Desde que a criança percebe o pai e a lei como sinônimos, a conduta paterna, ou dos adultos significativos, passa a ser modeladora e normativa, vindo a ser apreendida e internalizada com peso semelhante ao da lei.

Assim como o dinamismo matriarcal responde pela intimidade, assim o dinamismo patriarcal impõe a lei, a noção de dever e de cumprimento de tarefas, a organização, a coerência lógica. Não por acaso, crianças e adolescentes infratores, em várias pesquisas, informam “não ter pai”.

“É o pai que determina em que bases, até que ponto, dentro de que limites, com que regras, com que qualidade de aproximação e afastamento, com que métodos, regularidade, finalidades, responsabilidades e objetivos as diversas relações do filho com o mundo, consigo mesmo e com o outro, irão acontecer. O pai interrompe o que até então era “natural” para instalar o escolhido, o proposital, o consciente” (Amauri M. Cardoso).

A AUSÊNCIA DO PAI REAL, IMPORTA?
Embora eu tenha descrito tanta coisa que é promovida pelo pai simbólico e não pelo pai físico/pessoal, no caso da ausência deste, ou das figuras necessárias para ativar aquele sentido de pai que a criança tem no seu inconsciente, o filho pode permanecer numa relação diluída e indiscriminada com o mundo.

E não só a ausência do pai, mas também a presença disfuncional de figuras paternas reais ou representativas contribui para o desenvolvimento de caminhos distorcidos, que não ativam plenamente a personalidade do filho.

A internalização de uma imagem paterna distante, rejeitadora ou ameaçadora, pode levar os filhos a se tornarem vulneráveis a sentimentos de incompetência e de fracasso.

OS PAIS SÃO CHAMADOS À HUMILDADE
No desempenho da tarefa paterna, os pais devem estar cientes de que jamais corresponderão integralmente à grandiosidade das expectativas e ao peso da imagem idealizada que sobre eles projetam os filhos.

Resta um consolo para as famílias cujo pai real está ausente: é possível que o pai simbólico, traduzido por outra figura forte, até mesmo pela mãe, represente tudo o que o filho idealiza como “pai”. Mas, atenção, também é possível que aquele filho que tem a presença de um pai real, físico, tenha a maior decepção em relação à idealização inconsciente que ele tem da figura paterna.

UM CASO CONCRETO PARA ILUSTRAR ESTE TEXTO
Acompanho uma criança que foi concebida numa relação da mãe com o pai no cárcere. Apesar de muito desejar conhecer o pai real, a mãe não lhe satisfez o desejo, estando ele já com nove anos. Aconteceu que, por estes dias o pai foi solto, e o menino, excitado, achou que agora se encontraria com a figura concreta que encarnava aquele “símbolo paterno”, forte em seu inconsciente. Mas, lástima, ao sair da prisão o pai participou de um assalto e foi morto. Não posso traduzir em palavras o quanto este menino ficou transtornado e passou a ter um comportamento violento com os outros, imaginando que, em tudo, ofendiam a figura de seu pai, morto. Eis aí o que quero dizer com “pai simbólico”, pois este menino nunca conheceu um pai real.