Os brasileiros certamente ainda têm na memória os anos
de grande efervescência e de grande participação dos movimentos populares que
foram os anos em que se elaborou uma nova Constituição depois da longa ditadura
militar.
O ABISMO ENTRE O LEGAL E O REAL
Manfredo Araújo de Oliveira - ADITAL
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Manfredo Araújo de Oliveira |
Certamente, a Constituição
foi o ponto de chegada de intensas lutas sociais contra regimes totalitários e
o grande feito foi a sociedade conseguir dar a si mesma um Estado Social
esboçado na Constituição.
sto
fica claro a partir do estabelecimento dos objetivos fundamentais do Estado: a
construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a redução das
desigualdades sociais e regionais, a erradicação da pobreza e da
marginalização, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de
todos superando os preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer
outro tipo de discriminação.
Certamente,
uma das razões, pelo menos vivenciada se não explicitada, que levou tantos às
ruas é o enorme abismo entre o Estado legal e Estado real. Este último continua
sendo excludente, elitista, patrimonialista, permanece sendo o garante dos
privilégios dos que têm o poder nos diferentes níveis da vida social.
O
Estado nacional continua apropriado por uma elite que não está disposta a abrir
mão de seus privilégios. Um sinal muito claro disto é a distribuição dos gastos
públicos: no Orçamento Geral da União de 2011 45% dos recursos foram destinados
ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal enquanto 3%
foram destinados à educação, 4% à saúde, 0,12% à reforma agrária.
O
povo sente em sua vida as consequências: muitas famílias não têm terra para
trabalhar, não têm moradia, lazer, cultura, um emprego ou uma fonte de renda, o
abastecimento de água e o esgoto sanitário ainda são insuficientes, o sistema
de saúde e de educação não atende as necessidades, sobretudo, dos pobres.
Grande
parte da população fica somente com as políticas compensatórias, como o ‘Bolsa
Família’, que, certamente, ajuda muito: fala-se que vinte e oito milhões de
pessoas saíram da situação de extrema pobreza e trinta e seis alcançaram um
nível de consumo próximo ao das classes médias, mas estas políticas não
enfrentam o problema estrutural de uma sociedade organizada em função da lógica
da acumulação o que faz com que uma minoria controle a maior parte das riquezas
sociais.
Nosso
sistema tributário revela esta lógica dominante: a maior parte dos impostos
incide sobre o consumo, prejudicando os que ganham menos que utilizam toda sua
renda em consumo. A tributação direta, aquela que incide sobre a riqueza e o
patrimônio, representa uma parte bem menor do volume total dos recursos
arrecadados.
Daí
uma contradição fundamental que marca nossa realidade nacional: O Brasil é ao
mesmo tempo a sexta maior economia e uma das cinco nações mais desiguais do
mundo. Isto significa dizer que a riqueza produzida pelo esforço de toda a
sociedade, muitas vezes à custa de superexploração do trabalho e destruição da
natureza está nas mãos de um pequeno grupo.
A “IGREJA POBRE PARA OS POBRES” E A NÃO
ORDENAÇÃO DAS MULHERES
Jung Mo Sung
Autor, com Hugo Assmann, de "Deus
em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Ed. Paulus
Após o impacto e a euforia
da visita do papa Francisco ao Brasil, é tempo para reflexões. Se há alguma
novidade na metodologia da Teologia da Libertação foi a pretensão (nem sempre
realizada) de ser uma reflexão crítica sobre a experiência da fé no seguimento
de Jesus e, portanto, das lutas pelas emancipações e libertações humanas. Após
um "banho de emoções” desta visita, algumas reflexões críticas.
ma
das grandes diferenças entre a visita do papa Francisco em relação às visitas
dos papas João Paulo II e Bento XVI foi o tamanho dos discursos e sermões entre
eles. Papa Francisco parece acreditar mais em gestos simbólicos (não
artificiais ou rituais, mas espontâneos e que comunicam por si) combinados com
discursos mais breves que explicitam posições que nem sempre são claras nos
gestos. Um exemplo marcante disso foi o seu discurso no Teatro Municipal do Rio
de Janeiro quando defendeu o valor do Estado Laico e as contribuições das
diversas tradições religiosas para a sociedade, em uma cerimônia que contou com
líderes das mais diversas tradições religiosas e setores da sociedade.
Parece
que ele crê que a melhor forma de a Igreja Católica se comunicar com a
sociedade hoje é a linguagem mais simbólica que expresse os valores do
evangelho. Assim, a sua presença no Brasil pode ser vista realmente como uma
expressão pública do seu desejo de uma "Igreja pobre e simples voltada
para pobres e pessoas de boa vontade”.
Dessa
forma, a Igreja seria uma testemunha com mais credibilidade do seguimento de
Jesus, aquele que nem tinha onde reclinar sua cabeça (cf. Lc 9,58). Realmente,
longos discursos dogmáticos podem convencer pessoas da validade de uma
doutrina, mas não convertem pessoas, nem as motivam a entrar na caminhada e
luta.
Se
os gestos e posições simbólicos são tão fundamentais na transmissão de
mensagens que vão além da descrição do que existe que levam as pessoas a
perceber a vontade de Deus e a lutar pela realização dessa vontade na Terra, eu
me pergunto qual será a mensagem que a Igreja transmite ao mundo quando trata a
não ordenação presbiteral das mulheres como algo definitivo.
Quando
se discute o fim do celibato obrigatório e a ordenação dos homens casados, o
que estão no centro do debate é se a vocação e a ordenação presbiteral estão
subordinados ao celibato. Isto é, a opção de aceitar o celibato, uma decisão
pessoal, é ou não condição necessária para a ordenação.
Mas,
quando se discute a ordenação ou não das mulheres, não está em discussão se há
alguma exigência de ordem de decisão pessoal (aceitar ou não o celibato ou
qualquer outra exigência), mas se as mulheres como tais são aptas ou não
receber a ordenação. O que implica também se as mulheres são passíveis ou não
de serem chamadas, vocacionadas, por Deus para o serviço de presbíteras na
comunidade.
Ao
tratar a não ordenação das mulheres como algo definitivo e não histórico ou
cultural, a Igreja está dizendo ao mundo – através desse "gesto
simbólico”– que há um problema "ontológico” com as mulheres que não lhes
permitem ser cogitadas por Deus para serem vocacionadas à ordenação. Pareceria
que Deus tem algum problema ou restrição em relação ao "ser” das mulheres;
parece que Deus não quer ou não pode chamar mulheres para a ordenação.
Não
trato aqui do debate doutrinário sobre a ordenação de homens e/ou mulheres; nem
o papel do presbítero/clero na comunidade cristã, mas a mensagem que a
sociedade percebe no "gesto simbólico” de dar como definitiva a não
ordenação das mulheres. Muito menos quero discutir aqui as razões teológicas ou
de política eclesiástica que levaram papa Francisco a dizer rapidamente que
essa questão está resolvida. O que quero apontar é que, com essa posição, a
Igreja Católica confunde a sociedade.
Pois,
se a "Igreja pobre para os pobres” testemunha a vida simples e pobre de
Jesus na sua pregação do Reino de Deus, a Igreja que não pode ordenar mulheres
não testemunha o ensinamento neotestamentário de que entre os batizados em
Cristo "não há mais judeus ou gregos, nem servos ou livres, nem homens e
mulheres; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3,27-28).
“É PAPEL DA IGREJA DISCUTIR O ESTADO”,
diz dom Guilherme na abertura da Semana Social Brasileira
Unidos em um momento
de canto e partilha, representantes da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), pastorais e movimentos sociais de todo o Brasil deram início à
5ª Semana Social Brasileira (SSB Setembro 2013), no Centro Cultural de
Brasília, Distrito Federal, sob o tema "Estado para quê e para quem”.
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Dom Guilherme Werlang |
papel da Igreja discutir o Estado?, questionou
dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço
da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB. "É missão, sim, da Igreja abraçar essa
discussão, pois envolve o homem e a mulher e tudo o que diz respeito ao ser
humano e à vida, diz respeito à Igreja. O Estado, na sua essência, diz respeito
à Igreja. As Igrejas não existem para si mesmas, a Igreja existe para servir ao
povo, ao mundo”, ressaltou, comentando que é obrigação de todo cristão/ã se envolver nessas discussões e que é
preciso coragem para isso, já que o diálogo "com o Estado que temos” não
tem sido fácil.
"Somos enviados para ser boa notícia e denunciar o
que não está bom, por isso a necessidade de discutir o Estado com a sociedade
civil e movimentos sociais. É missão da CNBB discutir com a sociedade e propor
caminhos que gerem a vida. Nem sempre esse diálogo tem sido fácil, porque o
diálogo não vai com verdades fechadas, é preciso ouvir e ser ouvido”, enfatizou.