terça-feira, 10 de setembro de 2013

CORREIO MFC BRASIL Nº 335

   
   
Os brasileiros certamente ainda têm na memória os anos de grande efervescência e de grande participação dos movimentos populares que foram os anos em que se elaborou uma nova Constituição depois da longa ditadura militar.
   
O ABISMO ENTRE O LEGAL E O REAL
Manfredo Araújo de Oliveira - ADITAL

Manfredo Araújo de Oliveira
Certamente, a Constituição foi o ponto de chegada de intensas lutas sociais contra regimes totalitários e o grande feito foi a sociedade conseguir dar a si mesma um Estado Social esboçado na Constituição.

I
sto fica claro a partir do estabelecimento dos objetivos fundamentais do Estado: a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a redução das desigualdades sociais e regionais, a erradicação da pobreza e da marginalização, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos superando os preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outro tipo de discriminação.

Certamente, uma das razões, pelo menos vivenciada se não explicitada, que levou tantos às ruas é o enorme abismo entre o Estado legal e Estado real. Este último continua sendo excludente, elitista, patrimonialista, permanece sendo o garante dos privilégios dos que têm o poder nos diferentes níveis da vida social.

O Estado nacional continua apropriado por uma elite que não está disposta a abrir mão de seus privilégios. Um sinal muito claro disto é a distribuição dos gastos públicos: no Orçamento Geral da União de 2011 45% dos recursos foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal enquanto 3% foram destinados à educação, 4% à saúde, 0,12% à reforma agrária.

O povo sente em sua vida as consequências: muitas famílias não têm terra para trabalhar, não têm moradia, lazer, cultura, um emprego ou uma fonte de renda, o abastecimento de água e o esgoto sanitário ainda são insuficientes, o sistema de saúde e de educação não atende as necessidades, sobretudo, dos pobres.

Grande parte da população fica somente com as políticas compensatórias, como o ‘Bolsa Família’, que, certamente, ajuda muito: fala-se que vinte e oito milhões de pessoas saíram da situação de extrema pobreza e trinta e seis alcançaram um nível de consumo próximo ao das classes médias, mas estas políticas não enfrentam o problema estrutural de uma sociedade organizada em função da lógica da acumulação o que faz com que uma minoria controle a maior parte das riquezas sociais.

Nosso sistema tributário revela esta lógica dominante: a maior parte dos impostos incide sobre o consumo, prejudicando os que ganham menos que utilizam toda sua renda em consumo. A tributação direta, aquela que incide sobre a riqueza e o patrimônio, representa uma parte bem menor do volume total dos recursos arrecadados.

Daí uma contradição fundamental que marca nossa realidade nacional: O Brasil é ao mesmo tempo a sexta maior economia e uma das cinco nações mais desiguais do mundo. Isto significa dizer que a riqueza produzida pelo esforço de toda a sociedade, muitas vezes à custa de superexploração do trabalho e destruição da natureza está nas mãos de um pequeno grupo.

A “IGREJA POBRE PARA OS POBRES” E A NÃO ORDENAÇÃO DAS MULHERES
Jung Mo Sung
Autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Ed. Paulus

Após o impacto e a euforia da visita do papa Francisco ao Brasil, é tempo para reflexões. Se há alguma novidade na metodologia da Teologia da Libertação foi a pretensão (nem sempre realizada) de ser uma reflexão crítica sobre a experiência da fé no seguimento de Jesus e, portanto, das lutas pelas emancipações e libertações humanas. Após um "banho de emoções” desta visita, algumas reflexões críticas.
  

U
ma das grandes diferenças entre a visita do papa Francisco em relação às visitas dos papas João Paulo II e Bento XVI foi o tamanho dos discursos e sermões entre eles. Papa Francisco parece acreditar mais em gestos simbólicos (não artificiais ou rituais, mas espontâneos e que comunicam por si) combinados com discursos mais breves que explicitam posições que nem sempre são claras nos gestos. Um exemplo marcante disso foi o seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando defendeu o valor do Estado Laico e as contribuições das diversas tradições religiosas para a sociedade, em uma cerimônia que contou com líderes das mais diversas tradições religiosas e setores da sociedade.

Parece que ele crê que a melhor forma de a Igreja Católica se comunicar com a sociedade hoje é a linguagem mais simbólica que expresse os valores do evangelho. Assim, a sua presença no Brasil pode ser vista realmente como uma expressão pública do seu desejo de uma "Igreja pobre e simples voltada para pobres e pessoas de boa vontade”.
Dessa forma, a Igreja seria uma testemunha com mais credibilidade do seguimento de Jesus, aquele que nem tinha onde reclinar sua cabeça (cf. Lc 9,58). Realmente, longos discursos dogmáticos podem convencer pessoas da validade de uma doutrina, mas não convertem pessoas, nem as motivam a entrar na caminhada e luta.

Se os gestos e posições simbólicos são tão fundamentais na transmissão de mensagens que vão além da descrição do que existe que levam as pessoas a perceber a vontade de Deus e a lutar pela realização dessa vontade na Terra, eu me pergunto qual será a mensagem que a Igreja transmite ao mundo quando trata a não ordenação presbiteral das mulheres como algo definitivo.

Quando se discute o fim do celibato obrigatório e a ordenação dos homens casados, o que estão no centro do debate é se a vocação e a ordenação presbiteral estão subordinados ao celibato. Isto é, a opção de aceitar o celibato, uma decisão pessoal, é ou não condição necessária para a ordenação.

Mas, quando se discute a ordenação ou não das mulheres, não está em discussão se há alguma exigência de ordem de decisão pessoal (aceitar ou não o celibato ou qualquer outra exigência), mas se as mulheres como tais são aptas ou não receber a ordenação. O que implica também se as mulheres são passíveis ou não de serem chamadas, vocacionadas, por Deus para o serviço de presbíteras na comunidade.

Ao tratar a não ordenação das mulheres como algo definitivo e não histórico ou cultural, a Igreja está dizendo ao mundo – através desse "gesto simbólico”– que há um problema "ontológico” com as mulheres que não lhes permitem ser cogitadas por Deus para serem vocacionadas à ordenação. Pareceria que Deus tem algum problema ou restrição em relação ao "ser” das mulheres; parece que Deus não quer ou não pode chamar mulheres para a ordenação.

Não trato aqui do debate doutrinário sobre a ordenação de homens e/ou mulheres; nem o papel do presbítero/clero na comunidade cristã, mas a mensagem que a sociedade percebe no "gesto simbólico” de dar como definitiva a não ordenação das mulheres. Muito menos quero discutir aqui as razões teológicas ou de política eclesiástica que levaram papa Francisco a dizer rapidamente que essa questão está resolvida. O que quero apontar é que, com essa posição, a Igreja Católica confunde a sociedade.

Pois, se a "Igreja pobre para os pobres” testemunha a vida simples e pobre de Jesus na sua pregação do Reino de Deus, a Igreja que não pode ordenar mulheres não testemunha o ensinamento neotestamentário de que entre os batizados em Cristo "não há mais judeus ou gregos, nem servos ou livres, nem homens e mulheres; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3,27-28).

“É PAPEL DA IGREJA DISCUTIR O ESTADO”, diz dom Guilherme na abertura da Semana Social Brasileira

Unidos em um momento de canto e partilha, representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pastorais e movimentos sociais de todo o Brasil deram início à 5ª Semana Social Brasileira (SSB Setembro 2013), no Centro Cultural de Brasília, Distrito Federal, sob o tema "Estado para quê e para quem”.
 
Dom Guilherme Werlang
É
 papel da Igreja discutir o Estado?, questionou dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB. "É missão, sim, da Igreja abraçar essa discussão, pois envolve o homem e a mulher e tudo o que diz respeito ao ser humano e à vida, diz respeito à Igreja. O Estado, na sua essência, diz respeito à Igreja. As Igrejas não existem para si mesmas, a Igreja existe para servir ao povo, ao mundo”, ressaltou, comentando que é obrigação de todo cristão/ã se envolver nessas discussões e que é preciso coragem para isso, já que o diálogo "com o Estado que temos” não tem sido fácil.

"Somos enviados para ser boa notícia e denunciar o que não está bom, por isso a necessidade de discutir o Estado com a sociedade civil e movimentos sociais. É missão da CNBB discutir com a sociedade e propor caminhos que gerem a vida. Nem sempre esse diálogo tem sido fácil, porque o diálogo não vai com verdades fechadas, é preciso ouvir e ser ouvido”, enfatizou.


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