Dom Henrique Soares da Costa Bispo Auxiliar de Aracaju
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Desde Feuerbach até Sartre e Harbemas, passando por Marx e Nietzsche, a razão moderna considera-se emancipada e está convicta de que o homem é o seu próprio salvador. Por isso, para o mundo contemporâneo, é necessário matar Deus para que o homem amadureça e viva, tomando nas suas mãos o próprio destino. Procurar outros salvadores além de si mesmo seria alienação, infantilidade e engano: seria colocar nas mãos de um outro aquilo que é responsabilidade sua. O homem do século XXI, herdeiro do ateísmo dos séculos XIX e XX, está convicto de poder construir sua vida sozinho, sem necessidade alguma de um Salvador. No final do século XIX, Nietzsche exultava com um anti-evangelho: “O maior dentre os últimos acontecimentos – que Deus morreu, que a fé no Deus cristão fez-se incrível – já lançou suas primeiras sombras sobre a Europa...”
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Vemos hoje o triunfo da razão atéia; e este processo é irreversível. Para os bem-pensantes do mundo atual, a verdade, o certo e o errado são aquilo que a coletividade decidir. O homem, finalmente, tornou-se como um deus, conhecedor do bem e do mal. São ilustrativas as palavras do influente filósofo ateu australiano, Peter Singer: “Estamos em uma era incrível de transição. No Ocidente, fomos dominados por uma única tradição por dois mil anos. Agora que essa tradição é um doente terminal - toda a base da moral judaico-cristã-, estou tentando formular uma alternativa. Partes do que digo podem parecer obscenas e malignas se você ainda estiver olhando através do prisma da velha moral...”
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Diante desta pretensão, o cristianismo proclama com força algo escandaloso e incômodo, insuportável para a mentalidade atual: que Cristo é o único Senhor, único caminho e única possibilidade de realização para a humanidade; “Não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos (At 4,12)”. Ele não aliena, não exime o homem de sua responsabilidade, mas, revelando sua altíssima dignidade, aponta-lhe um ideal sublime e o compromete decididamente na sua autoconstrução e na construção do mundo. Como dizia o Santo Padre Bento XVI, no início do seu pontificado: “Quem faz entrar Cristo na sua vida, nada perde, nada absolutamente, nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta. Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo da experiência de uma longa vida pessoal, de vos dizer hoje: não tenhais medo de Cristo! Ele nada tira, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira!”
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É sempre útil recordar o dilema da primeira metade do século passado, que ainda hoje deixou graves conseqüências: de um lado, a teologia liberal, iludida pelo racionalismo moderno, reduzindo a pessoa de Jesus a um mestre iluminado, humanista bem-pensante; a sua obra, a um ideal moral, projeto meramente humano, de cunho filantrópico e social; a fé cristã, a um exercício iluminado e limitado pela razão. Por outro lado, a reação seja do magistério católico seja a liderada por protestantes como K. Barth, contra o pensamento liberal e as ideologias da época: “Jesus Cristo – como se testemunha na Sagrada Escritura – é a única Palavra de Deus, a única a que devemos fé e obediência, tanto na vida como na morte”.
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Para nós, portanto, o Mestre é Jesus Cristo; não há outros mestres ou salvadores, não há outros caminhos ou mediadores. Só nele está a nossa vida: nele, Deus vem ao homem, dá-se incondicionalmente à humanidade, curando-a, renovando-a e apontando-lhe o caminho. Somente nele o homem se supera realmente e chega à sua verdadeira medida. Rosto divino do homem, rosto humano de Deus! Não há subversão mais eficaz nem mais libertadora contra os totalitarismos, ditaduras, modas ou prisões ideológicas – inclusive as do próprio cristianismo – que afirmar que só ele, Cristo Jesus, é o nosso Mestre e Senhor!