sábado, 30 de março de 2013

CORREIO MFC BRASIL Nº 317


  
DE POBREZA E COMPAIXÃO
NEI ALBERTO PIES
PROFESSOR E ATIVISTA EM DIREITOS HUMANOS

“Se eu dou comida a um pobre, chamam-me de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre,
chamam-me de comunista” (Dom Helder Câmara)

A defesa das causas dos pobres é uma tarefa muito árdua. Exige-nos mais do que compreensão, discursos e teorias sobre a pobreza, mas, sobretudo, compromisso e compaixão. Somos muito preconceituosos para com o sofrimento e a situação indigna como vivem os pobres. Desconhecemos a sua realidade e não queremos mexer na raiz dos nossos problemas: a nossa forma de organizar o mundo.


É
 muito forte entre a gente a ideia de que pobres são coitados, por isso desprovidos de sorte e de bens. Se não lutam, são preguiçosos. Se lutam e exigem mudanças tornam-se perigosos. Mesmo quando passam fome, insistimos em dizer que eles ainda deveriam ser capazes de sonhar.

Só a lucidez da razão e a sensibilidade podem tratar bem das questões da existência e convivência humanas. Na visão ocidental, desenvolvemos a ilusão de que só a razão nos dará respostas aos problemas humanos. Nem a razão ornamental (que serve de ornamento), nem a razão instrumental (ferramenta para transformar a realidade) são capazes de justificar o sofrimento e a realidade daqueles que excluímos socialmente (os pobres). Os pobres não são invenção, não são uma ideia. Os pobres são reais. Os pobres existem, e sofrem a violação da sua vida e dignidade.

Leonardo Boff, defensor incansável das causas dos pobres e oprimidos, afirma que são três as compreensões que se tem da pobreza. Uma primeira, clássica, é a ideia de que o pobre é aquele que não tem. A estratégia então é mobilizar quem tem para ajudar a quem não tem, através de ações assistencialistas, sem reconhecer a potencialidade dos mesmos. A segunda ideia, moderna, é aquela que descobre os potenciais do pobre e compreende que o Estado deve fazer investimentos para que ele seja profissionalizado e potencializado, com vista à inserção no mundo produtivo. Ambas as posições desconsideram, na visão de Boff, que a pobreza é resultado de mecanismos de exploração, que sempre geram enormes conflitos sociais. Boff acredita que é preciso reconhecer as potencialidades dos pobres não apenas para engrossarem a força de trabalho, mas principalmente para transformarem o sistema social. Os pobres, organizados e articulados com outros atores da sociedade, são capazes de construir uma democracia participativa, econômica e social. “Essa perspectiva não é nem assistencialista nem progressista. Ela é libertadora”.

Só a compaixão se reveste de libertação. A compaixão não é sofrer pelos outros, mas sofrer com eles. O sofrer com os outros permite colocarmo-nos no seu lugar. Ver a partir dos seus pontos de vista e das suas realidades. É também deixar-se transformar, permitindo que os nossos mais nobres sentimentos se traduzam em ações concretas a favor dos pobres, fracos e marginalizados.

Poucos vivem a compaixão. Muitos perderam a sensibilidade, o que os impossibilita de viver a caridade e o amor ao próximo. Outros preferem atribuir aos pobres a culpa pela sua situação de miséria e vulnerabilidade. Outros discursam democracia, não perguntando se esta propicia as mesmas condições e oportunidades a todos, como ponto de partida. Porque o ponto de chegada depende de cada um de nós. E muitos, em grande número, tratam como crime a atitude de quem luta por causas humanitárias, quando estas exigem uma mudança na estrutura e organização da sociedade. “As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Leve-as no coração”, disse Dom Hélder Câmara. Este é o sentido maior da compaixão para com os pobres: não os defendemos por serem bons ou anjos, mas porque são parte de uma sociedade desigual, que não sabe lidar com eles.

O recém eleito Papa Francisco anuncia o seu desejo: “como eu gostaria de uma igreja pobre, para os pobres”. Desejemos também nós praticar a compaixão para erradicar a pobreza no Brasil e no mundo.
  
FRASES PARA LER E PENSAR
Antoine de Saint-Exupéry
(de “O Pequeno Príncipe”)                
Disse a flor para o pequeno príncipe: “É preciso que eu suporte duas ou três lagartas, se eu quiser conhecer as borboletas”.
Foi o tempo que dedicastes à tua rosa que fez tua rosa tão importante
Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.
Não chores por ter perdido o pôr do sol, pois as lágrimas te impedirão de contemplar as estrelas.
Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla.
Quando você dá de si mesmo, você recebe mais do que dá.
Determinada flor é, em primeiro lugar, uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com esta condição é bela.
O verdadeiro homem mede a sua força, quando se defronta com o obstáculo.
Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E serei para ti única no mundo.
O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem.
Foi o tempo que investiste em tua rosa que fez tua rosa tão importante
Si vous venez à quatre dans l'après-midi, puisque les trois, je commence à être heureux.
  
DE-CISÃO...
JORGE LEÃO – MFC MARANHÃO

Ao longo da vida, somos levados a de-cidir sobre os rumos de nossa trajetória. Dia após dia, o tempo nos cobra posturas de-cisivas. Escolhas profissionais, valores pessoais, conflitos afetivos, relações interpessoais, frequentemente surgem como fantasmas, assombrando o universo mental da humanidade.

O
 ensinamento da sabedoria milenar dos mestres iluminados traz, no entanto, um simples e singelo provérbio, bem atual: “faz de tua boca um canal de água pura”. De-cidir pela pureza das palavras...

Por conseguinte, várias serão as consequências desta de-cisão. A mudança de espaço (não propriamente físico) é o primeiro sinal. Ou seja, a presença de uma atitude mental renovada. Isso nos ajuda a refletir mais acuradamente sobre os pontos de conflito entre hábitos, valores e atitudes. Quando eu opto, por exemplo, por beber água, em vez de refrigerante, estabeleço uma cisão, isto é, uma separação ou quebra no percurso até então estabelecido.

Como sabemos, adentrar no caminho desta jornada não é fácil, pois nos cobra responsabilidade, e isso tem implicações pessoais profundas no cotidiano. Não se trata apenas de uma “mudança de hábitos”, mas de olhar o mundo com os olhos da cisão.

Como de-cidimos pelo deslocamento do antigo espaço habitado, então passamos a buscar outros modos de habitação. Somos com isso lançados no terreno da escassez. Sentimo-nos como abandonados em um deserto. O deserto da de-cisão.

Por isso, caminhar ao longo de uma estrada com pedras, repleta de árida presença de plantas contorcidas e gafanhotos, água escassa, calor escaldante durante o dia e frio intenso à noite, pode gerar medo e desconforto. O deserto, então, torna-se uma realidade à nossa frente.

De-cidimos, contudo, atravessá-lo...

Nesta travessia, uma constante sensação de perda parece dilacerar a alma, a cada passo, a cada de-cisão. Ir por um caminho é optar não ir por outro. Um jogo de-cisivo, mas profundamente transformador.

Após esta longa e sofrida jornada, renascemos para a adesão, a fim de sermos renovados pela água cristalina da renovação interior. Surge assim o caminho da pureza, pois a aridez do deserto foi ultrapassada. O novo caminho a seguir vislumbra os primeiros sinais de mudança, agora compreendida como fruto de uma adesão.

A adesão prepara o terreno para a práxis, isto é, a ação livre e consciente. Quando assumimos os riscos de nossas de-cisões, e aderimos ao projeto incondicional da luta pela vida, nossas ações tornam-se translúcidas como as palavras do Mestre: “nem só de pão vive o homem”...

A ação toma agora a dimensão da livre adesão, ao que chamamos de “liberdade dos filhos de Deus”. Ao sairmos da situação aprisionada pelo horizonte limitado do egoísmo, respiramos a ternura dos lírios do campo, oxigenados pela simplicidade dos gestos de paz.

É um caminho árduo, mas ele nos aponta para a plenitude. Por isso, a cada dia, nossa de-cisão nos aponta uma adesão, livre e consciente, fundada na alegria duradoura do espírito sereno e transformador do amor.

O amor, sereno e benfazejo, translúcido auspicioso a nos dizer: de-cide.

Nota da Comissão Brasileira Justiça e Paz, vinculada à CNBB, sobre a eleição da Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

A eleição da nova Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) suscitou questionamentos de amplas parcelas da sociedade civil que atuam, historicamente, na defesa e promoção dos direitos humanos e das minorias.

A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo vinculado à CNBB, manifesta sua solidariedade a estas mobilizações da sociedade civil, responsável por tornar a CDHM órgão permanente do Legislativo. À CDHM cabe enfrentar as inúmeras violações à dignidade da pessoa humana e estimular os debates e reflexões que favoreçam a criação e efetivação de políticas de Estado em favor da dignidade humana.

Os justos questionamentos à eleição desta Presidência expressam a indignação diante de “acordos políticos” que desconsideraram a essencialidade da CDHM, reduzindo a sua grandeza. O episódio deixa transparecer a frágil e incompreendida pauta dos direitos humanos entre alguns partidos políticos que, ao colocá-la em segundo plano, retrocederam nas suas escolhas e prioridades.

A imediata reação contrária à nova Presidência da CDHM reforça a convicção de que a atuação da Comissão no parlamento não pode retroceder e que sua missão transcende os interesses particulares, tendo em vista que os objetivos da CDHM presumem uma interação constante com a sociedade civil.

Brasília, 22 de Março de 2013

Pedro Gontijo
Secretário Executivo da CBJP

NOTA DESTE CORREIO
O presidente eleito pelos parlamentares da Comissão Parlamentar de Direitos Humanos tem feito declarações racistas e antiéticas, tornando seu nome incompatível com a presidência dessa Comissão e mesmo da sua condição de deputado federal.