DAR À LUZ O PRÓPRIO CASAL
A primeira fecundidade do casal é sua própria criação
‘Construir-se a si mesmo’ parece um tanto paradoxal, pois “fecundidade” nos leva a pensar em outra coisa que não seja si-mesmo. Entretanto existe, sim, a experiência de auto-engendrar-se, especialmente expressa no encontro amoroso: Uma sensação intensa de viver uma relação nova e excepcional, onde o passado se dissipa e fica a força da presença. Este é o tempo embrionário do casal, que o vive como um momento de eternidade, com a ilusão de uma relação quase perfeita e já definitivamente conquistada. Entretanto, se este casal inicial traz dentro de si o casal de toda uma vida, saiba ele que este é apenas o início e importa delineá-lo, dia a dia, numa longa construção jamais totalmente acabada. É neste sentido que o casal é fecundo de si mesmo e que ele é vivo. Porque se, desde a origem, ele atingisse a perfeição, não lhe restaria senão morrer.
Que condições são necessárias para levar a cabo este projeto de casal?
Podemos dizer que a primeira condição é a duração. Toda relação tem necessidade de duração para instalar-se e tomar consistência. A relação conjugal – diferentemente de relações mais parciais como as de trabalho, lazer, e mesmo de amizade e de família - engloba a totalidade de cada cônjuge, corpo e espírito; ela tem ainda mais necessidade de durar para se construir. Se você pensar um pouco, vai perceber que é justamente o fator tempo que vai permitir o crescimento do casal. Cada vez que alguém recomeça, com outra pessoa, retrocede à nidação do casal.
Entretanto, responder às expectativas afetivas, fazer acontecer o prazer sexual, harmonizar as convicções morais e espirituais, é um projeto de tal envergadura que, se a duração é necessária, podemos afirmar que ela não é suficiente.
Um casal morto pode durar junto: Um casal morto é um casal que não se constrói mais, que renunciou a seu projeto comum, mas que pode assim mesmo coabitar.
Desejo, vontade e vigilância
O motor da construção do casal reside no desejo e na vontade de cada cônjuge de fazer nascer e crescer o seu casal, o “nós”. Pode-se construir algo até o fim, sem desejo e vontade? O desejo de tornar-se feliz junto com o cônjuge está ali, na origem do casal. Quanto à vontade, ela é necessária, porque certas escolhas amorosas se tornam quase impraticáveis na realidade cotidiana. Às vezes aquilo que é de um, destrói o do outro. Quando os parceiros constatam incompatibilidades, divergências e incompreensões, só o desejo não é suficiente para construir a felicidade, é preciso ter vontade e decisão de ficar juntos.
O desejo inicial morre porque já não há cuidado, ele passa a ser tratado como se tivesse sido adquirido para sempre. A vigilância deve circundar o desejo. Vigilância que nos proíbe de instalar-nos numa relação conjugal, por mais agradável e confortável que seja, sem estar atentos aos pequenos sinais discordantes; vigilância que nos força a nos interrogar sobre a qualidade de nossa comunicação verbal e corporal, sobre nossa capacidade de nos compreendermos nas diferenças, nos limites, nas dificuldades. Vigilância também no equilíbrio, frequentemente difícil, entre o investimento na vida conjugal e todos os outros investimentos profissionais, parentais, culturais. Vi tantos casais para os quais o “tempo de casal” ia se dissipando, agrilhoado por toda sorte de obrigações.
Poderíamos questionar seu desejo de estarem ainda juntos. Eles haviam esquecido de estar vigilantes. A vigilância repousa sobre uma consciência lúcida de nossas faltas recíprocas em estar à altura do projeto que nutre nossa felicidade.
Criatividade
“Meu marido é para mim mais que um desejo, é uma necessidade” - dizia uma jovem esposa, sem perceber o quanto este lado imperativo da necessidade truncava a evolução do casal. A necessidade não suporta a frustração. Ela quer sua resposta. E a resposta pode engendrar revolta e cólera. Será que podemos falar de amor em uma relação baseada na necessidade? Ela nos recorda, antes, a necessidade que o bebê tem de sua mãe. Se esta necessidade faz parte do início da vida, também é fundamental investir em outras relações totalmente gratuitas. Devagar o casal aprenderá que a frustração não é a morte e que uma decepção pode abrir outras respostas possíveis.
Um casal que tem diante de si 20, 30, 60 anos de vida conjugal a construir, tem necessidade de ser um casal capaz de criatividade para provocar sua evolução. Para inovar na maneira de tornar-se feliz o casal deverá integrar a maturação de cada um, seu envelhecimento, seus tantos fatores de mutação... A felicidade está sempre para ser inventada, ela não é um dom como podemos sonhar.
Leitura Base: D. Balmelle, Revue Alliance