quinta-feira, 27 de agosto de 2009


AMÉM
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Continuamos os preparativos para a viagem do grupo familiar em fevereiro do próximo ano. É uma longa e dura preparação. Nesta terça-feira foi o dia de tirar visto americano para quem ainda não possuía, ou estava vencido. Numa avaliação preliminar enxergávamos alguma dificuldade com Anita, que está formada em veterinária, mas ainda não tem emprego. Nessa perspectiva nos preparamos e seguimos para Recife, sede do consulado.

Vencidos os trâmites regulamentares como enfrentamento de fila, entrada sob rigorosa fiscalização, lá estávamos à espera da entrevista (eu, Inês, Marnes, Renata e Anita). O início foi descontraído, até que, de repente, o funcionário perguntou quantos filhos nós tivemos? Eu respondi: dez filhos. Em seguida perguntou a Inês: “com quantos anos a senhora teve seus últimos filhos (Lucca e Louise agora com nove anos)?”. Inês, um pouco embaraçada e surpresa com a pergunta ainda tentou fazer as contas, mas demonstrou insegurança.

Nesse momento, ouvi do entrevistador a mais cruel das perguntas que nos poderia ter sido feita (com a rudeza peculiar aos entrevistadores): “Onde estão os pais biológicos dessas duas crianças?”. E ainda completou: “Começar uma entrevista consular com uma mentira é muito ruim”.

Naquele instante, senti que saltamos, numa fração de segundos, de pais para suspeitos de sermos traficantes de crianças. Entreguei os documentos das crianças e nossa certidão de casamento, e ele nos pediu para não guardarmos nada porque voltaríamos a essa questão. Sussurrei para Inês, olhando ao redor onde estava um sisudo funcionário de segurança nos acompanhando, e disse: “Acho que vamos sair daqui presos”.

Em seguida, o funcionário consular passou a fazer perguntas para o Marnes, que tentava o visto de Hugo (meu neto), e para a Anita. Foram perguntas simples e costumeiras. Concluída essa formalidade, ele me encarou, e disse secamente: “Agora vou querer saber a verdadeira história de seus sete filhos não biológicos”.

Como não estava preparado para uma pergunta daquele tipo diante de uma platéia desconhecida, e ainda com a minha voz amplificada pelos instrumentos ali postos, vivi um difícil momento. Alertado pela informação de que uma mentira ou uma fantasia, por mim proferida naquele momento, seria definitiva às nossas pretensões, fui contando a história da chegada de todos os nossos filhos, algumas até com a devida crueldade. Cada uma que ia recordando nos detalhes, para mim, Inês, e nosso grupo familiar ali presente, era uma recordação muito forte. Fiquei descontrolado, mas fui em frente contando toda a história de meus filhos, e ao mesmo tempo revivendo todas as emoções. O duro de tudo era que não fazia aquilo por um bom motivo, mas para me livrar da suspeita de ser um médico envolvido em tráfico de crianças. Foi muito cruel saltar da condição de pais para suspeitos. Depois de escutar atentamente toda a nossa história, ele baixou a cabeça, e secamente nos disse: “Os vistos estão concedidos”.

O lado bom da história foi na saída ao passar pelo truculento segurança. Ele me disse baixinho (para não ser escutado por mais ninguém): “Doutor, Jesus lhe abençoe”. E eu lhe respondi: Amém.