domingo, 25 de agosto de 2013

QUARENTA ANOS DEPOIS

Pe. Manoel Henrique
Padre Manoel Henrique
Vigário Episcopal

A
 vida da gente sempre tem antecedentes, nunca se começa a vida num dia determinado. Nunca a gente nasce no dia do nascimento, mas meses antes, sem se falar que a gente começa a nascer no desejo de duas pessoas. E quando nascemos trazemos as marcas, as histórias, de muitos que nos antecederam no tempo e no espaço, na memória eterna de Deus.

Mas no dia 15 de agosto de 1973, pelas mãos de Dom Adelmo Machado, eu recebia o sacramento do presbiterato, na Catedral de Maceió, conforme, ritual da Liturgia de Paulo VI. As minhas expectativas de jovem se realizavam, e eu, deslumbrado, comecei a celebrar a Eucaristia, as primeiras missas, com todas as primeiras lembranças bem guardadas. Foi Padre Celso quem me ensinou a celebrar a Missa.

Voltei para o Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, e, como aluno padre, terminei meu curso de Teologia. A Teologia que aprendi aqui era marcada pelo espírito do Concílio do Vaticano II. Recebia os primeiros banhos conciliares, numa feliz onda primaveril, cheia de encantos e fantasias e muitos sonhos.

Viçosa, Cajueiro, Pilar e depois, Ponta Verde, em Maceió, depois sem nada, foram me fazendo nascer padre, sem ostentação nem manias de grandeza. Ele me conduziu ao serviço na Comissão Regional do Clero, substituindo ao Padre José Edwaldo Gomes, de Casa Forte, em Recife. Em seguida, ocupei a Presidência da Comissão Nacional do Clero, junto à CNBB, em Brasília. Coube-me presidir os primeiros Encontros Nacionais de Padres. De posse de sua memória, voltei a me encontrar com os padres, fortalecer a caminhada dos companheiros, em tempos e lugares completamente diferentes.

Os primeiros anos de minha vida me fizeram escrever “O sonhos de uma caminhada” e eram os tempos conciliares, banhados por uma época de ondas supervenientes de simpatia e alegria.  Os tempos se passaram, e, mudaram. O céu primaveril se escondeu no horizonte nublado dos anos oitenta e noventa. Houve muitas perdas e retrocessos. Criaram-se muitas outras teorias para justificar a Teologia do Vaticano II. Vi muita gente ser condenada ao silêncio e muitos mais silenciarem diante do medo imposto, sem a coragem de assinarem seus textos. Havia muito brilho, mas de ouro falso, muita beleza e ostentação sem autenticidade. E os sonhos de uma caminhada foram se transformando em pesadelos, com visões descaracterizadas, sem verdade, sem força de credibilidade.

Quarenta anos depois... e que iria eu escrever, o que teria eu a dizer aos meus amigos e aos meus  companheiros de vida e fé?! Deus, porém, interveio decisivamente na História, proporcionando que um alemão, Cardeal Ratzinger, Papa Bento XVI anunciando sua renúncia, num gesto profundamente eclesial. Somente um alemão, da têmpera de um Ratzinger, operaria tão grande façanha. Logo em seguida, a eleição de Papa Francisco, “alguém que veio de longe”, e podemos ver a Igreja sair do inverno eclesial à primavera. De dentro de uma fortaleza, onde vivia cercada de todos os inimigos, abre novamente as portas da Igreja. Abandona seu palácio e se torna membro de uma hospedaria, para não necessitar de um psiquiatra. Pastor e não doutor gosta do cheiro de ovelhas e não de flores de altar. Não se apresentará como Santidade, mas Bispo de Roma. Por algum momento nos fez lembrar Dom Helder Câmara, que, um dia, aconselhou Paulo VI a deixar o Palácio do Vaticano. A Igreja volta a ser um lar espiritual, habitada com gente, que adora o calor humano e não documentos, que por mais bem cuidados que tragam não refletem a vida humana, mais ampla e mais exigente que os papéis dos burocratas da fé. Mudou e novamente volto a sonhar e a cantar na voz do povo, que sabe fazer isso com tanta espontaneidade.  Quarenta anos depois, e eu sou convidado a começar tudo de novo.

*Padre Manoel Henrique é assessor eclesiástico do Movimento Familiar Cristão em Alagoas.

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