quarta-feira, 15 de setembro de 2010


MOVIMENTO FAMILIAR CRISTÃO - CORREIO MFC BRASIL 242


Do próximo governo esperamos antes de tudo a continuidade do processo em curso nos últimos anos que resulta em redução da enorme disparidade de renda entre classes sociais privilegiadas e aquelas mais carentes e sacrificadas.

O MILHEIRO DE TIJOLOS
Helio e Selma Amorim
Membros do MFC/RJ


Já são mais 30 milhões os brasileiros transportados das classes menos favorecidas para um espaço social menos espoliado, rotulado de classe média.

Essa ascensão social vai reduzindo de forma consistente e sustentável o contingente dos mais pobres que ainda são muitos. O processo não pode ser interrompido, antes acelerado.

A ruptura progressiva com a histórica reprodução social que condenava à pobreza quem nasce pobre não é ainda bem percebida pelas classes mais favorecidas. O rico não mantém normalmente relações pessoais mais profundas com os pobres, pouco sabe da sua vida cotidiana e suas aflições. Vamos tentar explicar.

Severino, operário, acorda às quatro da manhã em seu barraco miserável que ele sonha melhorar quando puder comprar um milheiro de tijolos. Anda a pé um quilômetro para alcançar o ônibus apinhado que vai deixá-lo em jejum na estação do trem que, por sua vez, o levará ao centro da cidade onde comerá um pão seco e uma média de café-com-leite, para aguentar mais uma condução até a obra em que trabalha das sete às cinco.

Ele está trabalhando na construção de uma casa confortável, bem diferente do seu barraco que precisa de um milheiro de tijolos para ser melhorado.

Às nove horas chega o proprietário para visitar as obras. Acordou às sete, tomou banho, café da manhã caprichado, uma leitura rápida de jornal porque quer passar na obra antes de ir para o trabalho. Avisou à secretária que vai chegar um pouco atrasado, desce à garagem, pega o carro, o trânsito está bom, chegou na obra. Os olhos revelam uma noite bem dormida.

Reclama com o mestre que o serviço está lento, pede mais qualidade e produtividade, palavras mágicas da modernidade, “porque já gastou um dinheirão e as obras não andam”. Então avisa que resolveu aumentar a sala. Manda desmanchar duas paredes e crescer a varanda. “Vamos perder mais de um milheiro de tijolos”, previne o mestre, “fora a mão de obra”. “Mas compensa”, responde. “Minha mulher vai ficar satisfeita com a sala maior”. Mais uma vez reclama da indolência do pessoal, pega o carro e desaparece na esquina.

Pela ótica do apressado senhor, gentilmente interessado em agradar a esposa, trata-se de uma pequena modificação que lhe dará um insignificante prejuízo perfeitamente suportável e compensador. Já esqueceu a breve intervenção e se volta então para os compromissos profissionais do dia que para ele só agora vai começar. Nem lhe passa pela cabeça que o privilégio de construir uma casa só é possível pelos baixos salários do Severino e dos seus companheiros. Se tivesse que pagar o justo salário a todos os que precisam trabalhar para que aquela casa exista, o seu custo seria muitas vezes maior, e ele não poderia mandar construí-la. Tampouco conseguiria entender que mandar derrubar algumas paredes e aumentar uma sala pudesse causar estranheza em alguém. Afinal não está pagando?

Para o espantado Severino, esse pequeno episódio tem um significado incrível e absurdo. Para que aumentar ainda mais essa sala imensa, onde caberia duas ou três vezes o barraco inteiro, a mulher e os filhos do Severino? E os três dias de trabalho jogados fora para construir aquelas paredes que ele mesmo vai agora desmanchar? Três dias de trabalho significam, para ele, três madrugadas de andanças, ônibus, trem, pão e café-com-leite para agüentar o batente, três marmitas magras, trabalho duro até as cinco, três viagens de volta e noites de pouco sono, para produzir aquilo que agora um simples capricho manda destruir. E os mil tijolos perdidos que um dia ele espera conseguir para ajeitar o triste barraco? Severino começa a compreender melhor a profunda injustiça que existe por trás dessas paredes que já está derrubando.

Dos eleitos em outubro queremos que entendam o que representam mil tijolos para o Severino, e avancem em políticas e programas de transferência de renda e redução de disparidades sociais escandalosas, privilegiando os mais pobres que ainda não foram beneficiados e permanecem vivendo em condições desumanas.

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