sábado, 9 de outubro de 2010







Estamos seguros de que a Igreja Povo de Deus sobreviverá a qualquer crise, como prometido e bem comprovado pela sua história acidentada, nem sempre motivo de orgulho para os cristãos. Mas o mesmo não se pode afirmar hoje da sua estrutura hierárquica anacrônica, vulnerável a desvios de comportamento de muitos de seus membros, que fragilizam a própria fé dos cristãos.

MEDO DO FEMININO?
Helio e Selma Amorim
Membros do MFC/RJ

Conspiram assim contra o projeto de Jesus de Nazaré que lhes cumpre anunciar por seu discurso e exemplo de vida. Por menos do que tem ocorrido e se revelado nos últimos anos no clero, Jesus, sendo judeu, condenou duramente os sumos sacerdotes e a estrutura religiosa dos judeus de seu tempo. O resultado foi a cruz por não haver ainda o costume menos sangrento do silêncio obsequioso ultimamente utilizado com a mesma finalidade: calar quem incomoda.

É necessário repensar essa organização piramidal e repressiva cuja credibilidade se dissolve pelas denúncias de práticas odiosas de muitos dos seus agentes. As mais graves são as que resultam em feridas emocionais destrutivas e incuráveis decorrentes de abusos físicos e sexuais com crianças e adolescentes. Levarão por toda a vida a marca das lesões psíquicas e espirituais à sua autoestima.

É claro que não é só no clero que esses comportamentos emocionalmente letais acontecem. Revelam-se a cada dia comportamentos episódicos ou costumeiros de violência doméstica e abusos sexuais na intimidade de famílias de todas as classes sociais, tantas vezes associados às drogas e alcoolismo. Também ocorrem em escolas e outros espaços facilitadores desses crimes. São fatos sujeitos à repressão policial e prisão quando denunciados e comprovados. Mas no seio de uma corporação cristã formada com rigor doutrinário durante muitos anos de aprendizado intensivo para exercer o magistério fielmente à luz dos ensinamentos evangélicos focados no respeito à dignidade da pessoa humana, é inaceitável a incidência tão reiterada dessas práticas. Não são mais tropeços pessoais eventuais e raros.

Há que analisar profundamente essa profusão de casos comprovados e confessados, e a causa de tantos desvios de comportamento no campo da sexualidade, particularmente no nível da pedofilia. Conforma-se um quadro de descrédito para a instituição difícil de superar. Os que já não são simpáticos à religião dos cristãos sorriem, justificados em seu ateísmo denunciador, e não deixarão que essa crise revelada saia do noticiário cotidiano em todos os meios de comunicação social. Para os cristãos é constrangedora a ironia dos sorrisos nos meios em que se movem.
 Protestos recentes na Europa

Profissionais das ciências humanas, especialmente das áreas da sociobiopsicologia têm sido convocados a analisar esse comportamento e ajudar os que tropeçam a superar as fragilidades da sua sexualidade.

Certamente essa terapia produz resultados em muitos casos individuais. Mas é necessário identificar as causas recorrentes desses desvios éticos. O celibato imposto ao clero católico está seguramente na origem de muitos condicionamentos presentes na sua formação. Com efeito, para o candidato ser fiel a essa castidade imposta impõe-se uma formação castradora da sexualidade, com a demonização desse impulso colocado por Deus no mais profundo do ser humano. Há homens que, por sua constituição biopsíquica, nem mesmo precisariam desse condicionamento, e são até mesmo atraídos para integrar essa comunidade de celibatários em que o feminino estará ausente. Outros, entretanto, terão que lutar todos os dias para ser fiéis ao compromisso imposto. É de se esperar que aconteçam relacionamentos discretos, ocultos quando envolvem pessoas adultas que protegem a sua intimidade livremente assumida. Mas se envolvem crianças e adolescentes, mais cedo ou mais tarde serão desvendados e eclodem escândalos na mídia ávida deles.

Não se trata de uma questão secundária na vida da Igreja. Precisa ser enfrentada com urgência para recuperar a sua credibilidade ferida. Os argumentos teológicos para sustentar essa disciplina não são consistentes já que não havia essa norma na Igreja dos primeiros séculos e o primeiro papa era casado. Os estragos do trato canhestro da sexualidade na Igreja e do celibato forçado do clero são evidentes. Pedidos de perdão às vítimas não resolvem.

Há muitos outros entraves à evangelização no mundo de hoje que merecem igual preocupação e justificariam mesmo um novo concílio. Já surgem mundo afora propostas para isso. Vale insistir.

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