Não discriminar não significa ter de tolerar as mesmas idéias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isso é democracia, isso é pluralismo.
Para o filósofo Tomás de Aquino, que criou o conceito de tolerância no século 13: “Tolerar é permitir a existência de certos males menores para não provocar outros males maiores e para não impedir certos bens maiores”. Tolerar é permitir de forma bastante justificada certos males menores, não autorizá-los. Existe uma diferença notável entre permitir e autorizar. Esse último é dar autoridade a alguém para que faça algo. Seria autorizar o mal e converter, por um poder arbitrário e pela “magia” da tolerância, o mal em bem. O autorizador, assim, tornar-se-ia Corresponsável pelo mal. O que não seria ético.
É preciso ser consciente de que, quando se é tolerante, o mal continua sendo mal na perspectiva de quem permite. E que, mesmo sendo tolerante alguma vez, nem sempre será possível tolerá-lo. Nesses casos é preciso ser intransigente com o erro e o mal, o que não é intolerância. Ora, numa sociedade em que a confiança na razão como meio para descobrir a verdade foi aos poucos dando lugar ao ceticismo, é fácil compreender por que as pessoas se confundem entre o bem e o mal.
Os conceitos de intransigência e discriminação acabam se confundindo, o que é um grande erro.
Ser intransigente é defender a verdade que nos transcende. Significa manifestar o direito de discordar de alguém que apresente outra coisa como verdade, e, num diálogo respeitoso, expor uma argumentação diferente, com fundamentos sólidos e convincentes, de forma que ambos tentem honestamente vislumbrar um bem que os una. Portanto, uma atitude bastante distante da violência e da arrogância.
Já ser discriminador é algo bastante diferente. Significa dar um tratamento desigual, seja favorável ou desfavorável, às pessoas em função das suas características raciais, sociais, religiosas ou de gênero. É um desrespeito à pessoa humana, quase sempre numa atitude física ou psicologicamente violenta. Naturalmente, é algo deplorável, que sempre será preciso combater. Entretanto, não existe discriminação de idéias nem de atitudes, somente de pessoas.
Como aponta a doutora em Filosofia Ana Marta González, “o respeito se dirige ao homem que eventualmente defende idéias opostas às nossas; a tolerância, às suas idéias” (“Las paradojas de la tolerância”). Portanto, não discriminar não significa ter de tolerar as mesmas idéias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isso é democracia, isso é pluralismo.
E como conviverão em paz pessoas que pensam diferente? Como viver a tolerância, em casos como a eutanásia infantil, o nudismo, o livre exercício de religiões minoritárias? A resposta é complexa, mas a filósofa espanhola nos orienta: eticamente, com respeito. Politicamente, com três critérios: buscar a solução em que a maioria possa se abster; em que o prejuízo que se vá produzir nos outros seja o menor possível; em que a subsistência da sociedade esteja sempre garantida.
Adaptação do texto do Professor João Malheiro
Doutor em Educação pela UFRJ
Publicado no Jornal Atuação do MFC Brasil Nº 153
Publicado no Jornal Atuação do MFC Brasil Nº 153
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