sábado, 21 de julho de 2012

OCTÁVIO HENRIQUE

OCTÁVIO HENRIQUE
  
Octavio Henrique
TALES E THERESA - MFC SALVADOR

E
m 1964, com dois anos de formado e de trabalho na Refinaria Landulfo Alves, estava eu de noivado firme com Theresa, então estudante de letras da UFBA, quando fui convidado por ela para participar de uma novidade: um curso para noivos.  Aceitei o convite e soube que se tratava de uma iniciativa do Movimento Familiar Cristão, o MFC. O convite partira do casal Octávio Henrique e Celice, já integrantes do MFC, e ele, primo de Theresa.

A vida é um emaranhado de encontros fortuitos e virtuais, porem só alguns deles persistem e criam raízes profundas que geram a amizade entre as pessoas. Foi o que aconteceu, no nosso caso, no encontro com Octávio e Celice.

Fizemos o curso, gostamos e fomos convidados a participar de uma equipe de noivos, formada, em sua maioria, por casais oriundos do curso que havíamos feito, e coordenada pelo casal Renato e Ana Maria Ferreira. Para nós, foi uma novidade e uma oportunidade trocar ideias com aqueles casais, todos na mesma faixa etária nossa, e com problemática de vida parecida. Na experiência desse processo, a abertura para o dialogo e a convivência harmônica com opiniões diferentes e até conflitantes nos entusiasmaram.

Theresa já conhecia Octávio na convivência familiar, mas o primeiro encontro que eu tive com ele foi numa Manhã de Formação do MFC, nas Mercês, com todas as equipes presentes e por ele coordenadas com muito entusiasmo. Na minha posição de observador e iniciante, pude logo perceber algumas das qualidades de Octávio: inteligência, rapidez de raciocínio, desinibição, dinamismo, além de uma voz que dispensava qualquer microfone. O único senão, porém, é que eu o achei um pouco autoritário. Mas o tempo se encarregou de melhorar e consolidar a imagem que eu formava dele.

Octávio Henrique e Celice exerceram várias funções de coordenação no MFC, em âmbito diocesano, estadual, regional e nacional. Para nós, que passamos a atuar no Movimento, não foi difícil descobrir mais uma qualidade sua: a prodigiosa memória.

Contava ele que, durante uma instrução militar no CPOR, o instrutor desmontou uma metralhadora com cerca de 100 peças, dizendo o nome de todas elas, e depois procurou saber quem se habilitava a montar a dita metralhadora, dizendo os nomes das peças. Não apareceu ninguém. O instrutor, então, se dirigiu a Octavio e perguntou: “Quer tentar seu Aguiar?” Ele se levantou e aceitou o desafio, montando a metralhadora toda sem errar o nome de uma só peça. Admirado, o instrutor, disse para o grupo: “Desconfio que o Senhor Aguiar tenha uma metralhadora dessa em casa”.

O tempo se encarregou de transformar a história do MFC. Foi então que, em 1982, por iniciativa, sobretudo dos casais Carlos e Magda Hita e Octávio e Celice Aguiar, o MFC da Bahia conseguiu trazer a Salvador o jesuíta uruguaio Ricardo Cetrullo, que nos fez vivenciar uma metodologia participativa, conhecida como CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO, e baseada em princípios tais como:

·        A realidade é mais complexa e extensa do que a imaginação de todos os homens conjuntamente.
·        Na ciência da vida, cada um de nós detém apenas uma parte da verdade, e, por isso, precisamos dos outros para ter uma visão mais plena da realidade.
·        O exercício da paciência para ouvir o outro é fundamental, pois, na sua forma diferente de ver o mundo, ele sempre traz algo de novo para nós.
·        A constante análise e avaliação de nossas práticas torna mais eficaz nossa ação transformadora, nos possibilitando elaborar teorias a partir dessas análises.

A forma diferente de trabalhar, a postura e a paciência do jesuíta em ouvir os outros reforçavam o conhecimento que ele ia transmitindo e nos fazia lembrar Mateus 23, “Nem vos façais chamar de mestre, porque só tendes um Mestre, Jesus Cristo” .

Essa nova metodologia de trabalho do MFC foi um campo aberto para a criação do novo, e foi aí que ficou plenamente evidenciada uma outra grande qualidade de Octávio Henrique: a criatividade.

No exercício da criação coletiva, os participantes são os protagonistas do próprio trabalho do grupo e o coordenador é apenas um facilitador. Nessa função, Octávio Henrique quebrou todos os resquícios de autoritarismo, passando a se destacar na maneira democrática e participativa de lidar com os problemas levantados pelos grupos por ele coordenados.

Entusiasta da metodologia participativa, Octávio Henrique a divulgou no MFC por todo o Estado da Bahia e pelo Nordeste, coordenando Encontros e dirigindo Grupos. Mas um dos maiores desafios que eu o vi enfrentar foi quando a Confederação Internacional de Movimentos Familiares Cristãos, então sediada na Espanha, escolheu a cidade de Maceió, Alagoas, Brasil, como local de realização de um encontro mundial, de 25 a 29 de Julho de 2001, com o tema “A Ética da Vida em um Mundo Globalizado e Excludente”. A equipe do MFC de Alagoas se encarregou da logística de apoio e a equipe da Bahia, da metodologia e conteúdo, sob a coordenação dos casais Carlos e Magda e Octávio e Celice.

Vejam o desafio: o tema polêmico, a participação de representantes de 5 continentes, com as mais diversificadas formas de ver o tema, o trabalho a ser desenvolvido em 4 grupos, 2 em língua inglesa e dois em portunhol, e a utilização da metodologia da construção coletiva do conhecimento, com a qual os estrangeiros não estavam familiarizados. Por motivo de doença, Carlos e Magda não puderam participar, e Octávio enfrentou a coordenação geral, com muita competência, com o apoio de Celice.

Octávio criou o MFC TOUR, tendo planejado, organizado e realizado várias memoráveis viagens para o pessoal do MFC, aberta a parentes e amigos. Preparava pastas para todos os participantes, com informações detalhadas sobre roteiro, atrações, história dos locais, e até mapa dos assentos no ônibus, para que se fizesse o rodízio. Mais uma de suas qualidades: a organização.

É da sua autoria um livreto escrito em 2007, intitulado: “NOSSAS ANDANÇAS COM O MFC”, de grande valor histórico para o Movimento, em que relata, com riqueza de detalhes, a sua participação, com Celice, nos diversos Encontros do MFC. O 1º do qual participaram foi o de Fortaleza, em 1965, com o tema: MISSÃO SOCIAL DA FAMÍLIA. Sobre ele, escreveu: “Bela e gratificante experiência, renovada muitas vezes nas andanças pelo Brasil e países da America do Sul, por conta do MFC, que nos marcou o resto da vida, ensinando-nos também a abrir as nossas portas, para desfrutar a prazerosa e salutar experiência de receber e hospedar peregrinos”.

O registro de Octávio nos reporta a um carisma forte do MFC: o da HOSPEDAGEM, presente na passagem do evangelho em que dois discípulos caminhavam para a aldeia de Emaús, e a eles se juntou Jesus, em forma de outro peregrino, não tendo sido reconhecido como o Mestre. Conversaram durante toda a caminhada e quando chegaram à aldeia já era tarde, e os discípulos, ainda sem reconhecerem o MESTRE, o convidaram: “Fica conosco; já é tarde e já declina o dia”. Jesus ficou, e foi durante a hospedagem que ele se revelou.

Tiramos das páginas de “NOSSAS ANDANÇAS COM O MFC” alguns trechos que expressam a ideia do que é a fascinante aventura de participar de  um encontro do MFC.

·        À pág. 71, lê-se: “Em Conquista ou pouco adiante, abriram-se os farnéis para o jantar  comunitário. Entre as iguarias, fez sucesso uma paçoca com carne de sol desfiada, quitute de origem cearense que Theresa havia levado”. Essa eu tinha que mencionar, pois foi Octávio Henrique quem escreveu, é com minha mulher, e se trata de uma comida de cearense.
·        Pág. 72: “Ai, que falta nos fez o navegador Carlos  Alberto! Cometemos um ligeiro engano e, antes do trevo que nos levaria a essa rodovia, erradamente tomamos o caminho para Sorocaba, engano felizmente logo constatado, mas que nos causou uma perda de pelo menos meia hora”.
·      Anexado à última página do livro está um tabloide, que contém uma charge feita com muita inteligência e graça por Ivone Rodrigues, sobre o XV Encontro Nacional, realizado em Bagé, em julho de 2004. O título diz: “Uma Aventura Extraordinária - 26 loucos, um ônibus e 10.000 km pela frente”.

Apesar de todo o meu esforço e da valiosa e competente ajuda de Theresa, não conseguimos nem de leve dar ideia do que foi a aventura de Octávio Henrique na face da terra.

Mais uma vez considerando tudo o que Octávio fez e que eu não pude relatar aqui e agora, escolho, para terminar, a frase do início da pág. 1, de seu livro, tirada de uma marchinha de carnaval: “Recordar é viver. Eu hoje sonhei com você”. Penso, então, quão importante é o tempo na epopeia da vida humana, e me vem à lembrança uma citação do compositor francês Hector Berlioz, que diz: “O tempo é um grande mestre; tem, porém o defeito de matar os seus discípulos”.

Se agora fosse feita a pergunta: ”Octávio, se você voltasse à vida, aceitaria continuar trabalhando no MFC, buscando a construção do Reino de Deus, um reino de fraternidade, justiça e amor?” Tenho certeza de que responderia afirmativamente, não a quem fez a pergunta, mas a Deus, tal como Pedro respondeu à pergunta de Cristo, em João 6-68: “Senhor, a quem iríamos nós? TU TENS PALAVRAS DE VIDA ETERNA”.

Amém!

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