sábado, 27 de outubro de 2012

CORREIO MFC BRASIL Nº 296

  




A matança de jovens em Mesquita, com todos os requintes de crueldade própria de monstros inflados por ódios desumanos desperta na população, mais que medo, um profundo desalento e desesperança na busca da construção de uma civilização verdadeiramente humana que se tenta concretizar.



VIOLÊNCIA É UMA DROGA
HELIO AMORIM – MFC/RJ


E
ssa barbárie repetida está sempre vinculada ao tráfico de drogas. São ações “corretivas” que só traficantes drogados são capazes de executar para impor o pavor nos “pés de chinelo”, punindo os que “traíram” a confiança dos chefes. Advertência desumana para os que ainda não “pisaram na bola”. Esse é o idioma dos becos do tráfico para garantir a fidelidade dos adolescentes e jovens cooptados para o comércio de drogas. Já há presos e fugitivos identificados.

Esse crime hediondo não pode deixar de ser punido exemplarmente, para inibir novas chacinas. A guerra ao tráfico é difícil, revelam-se a cada dia cumplicidades inesperadas. Deve ser levada a consequências visíveis nas cúpulas escondidas em apartamentos de luxo, esconderijos às vezes conhecidos mas imunes à repressão policial por parcerias criminosas de alto nível. Denúncias dos capi desse comércio devem ser premiadas generosamente, prêmios gordos anunciados para estimular essa “traição dos cúmplices” do crime organizado.

Não se combate eficazmente o tráfico prendendo apenas os que atuam nos pontos de venda e seus chefes imediatos vivendo com alguns luxos modestos nas próprias favelas em que comandam esse comércio. As ações devem ser focadas com mais intensidade e inteligência, nos bairros nobres das cidades. Os grandes gestores e financiadores do tráfico são ricos, não moram nos lugares de vendas e armazenamento de drogas nem deles chegam perto. Não se expõem a perigos desnecessários. Comandam de longe, invisíveis, com cuidados e bons advogados, deixando os riscos com suas quadrilhas de fornecedores e traficantes transfronteiras, transportadores e distribuidores internos.

Do outro lado, estão os consumidores, dependentes desse veneno do corpo e do espírito. Se a repressão pudesse ter êxito completo, como ficariam os que se drogam compulsivamente? Onde encontrar a droga agora necessária para não viverem transtornos psíquicos que podem desencadear grande sofrimento, angústia e atos desesperados? Esse é o desafio, além do esforço competente do apoio terapêutico mais amplamente disponível e acessível para uma superação efetiva da dependência. O mundo procura a possível solução desse dilema planetário. Em primeiro lugar, é preciso partir da consciência de que havendo procura haverá oferta. É a regra imutável do mercado.


Crescendo a repressão, o preço da droga aumentará e a ansiedade exigirá novos artifícios para conseguir dinheiro para a compra. O adolescente já não sabe explicar como some a mesada ou para onde foi o dinheiro que desapareceu misteriosamente de casa. Pais desconfiam mas não têm certeza. A descoberta é sempre tardia.

Essa necessidade incontrolável pode levar ao crime, mesmo nas classes privilegiadas. Roubar e mesmo matar para comprar e consumir. A alternativa para o viciado seria o crack, muito barato mas mortal no curto prazo. Os viciados das classes médias melhor informados já conhecem esse risco de morte e não se arriscam.

Uma das muitas saídas, todas igualmente difíceis de administrar, seria o cadastramento dos viciados que aceitassem acompanhamento médico em serviços de saúde credenciados e recebessem um cartão de dependente, para conseguir a sua droga grátis ou a preço simbólico em drogarias cuidadosamente selecionadas para esse serviço. Aquisição por entidade sanitária pública em país produtor conhecido, mediante acordo entre organismos de governos, a preços do agricultor local, considerando tratar-se de política de governo contra a praga. Objetivo inicial, interromper a relação direta com o traficante e competir para reduzir o seu mercado. O interesse do drogado seria livrar-se do preço crescente do traficante motivado pela repressão policial, aceitando orientação e controle da dosagem farmacêutica e algum tipo de acompanhamento de especialistas - ou, ainda, participação em grupos de apoio mútuo que apresentam resultados animadores (“grupos de drogados anônimos”).

Outras medidas de controle sanitário e policial mais efetivas e eficazes somadas, focadas na oferta de saídas aos dependentes e na identificação e prisão dos financiadores ocultos, com premiação da denúncia, poderiam levar a bons resultados a médio prazo. A preparação das escolas e seus professores para uma orientação competente e constante dos alunos, com recursos didáticos adequados, debate de filmes, verbas generosas para viabilizar tudo que contribua para a consciência dos riscos desde a infância e a adolescência, tudo somado e articulado, resultará em conquistas apreciáveis. Mas não dá para esperar.

Epístola de S. Tiago, irmão de Jesus (Tg 5, 1-6).
  
1. E agora, ricos, chorai e gemei, por causa das desgraças que estão para cair sobre vós.
2. Vossa riqueza está apodrecendo e vossas roupas estão carcomidas pelas traças.
3. Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes, como fogo! Amontoastes tesouros nos últimos dias.
4. Vede: o salário dos trabalhadores que ceifaram vossos campos, que deixastes de pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor.
5. Vós vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando vossos corações para o dia da matança.
6. Condenastes o justo e o assassinastes, ele não resistiu a vós.

A denúncia de Tiago atravessa dois milênios e nos chega como uma espada, advertindo-nos para a injustiça que permanece no mundo. O desafio aos cristãos é o dever da denúncia corajosa de toda forma de exploração, dominação e marginalização dos pobres numa sociedade de competição cruel e desigual. E o engajamento efetivo na luta pela construção de um país e um mundo melhores, prenúncio do Reino.

Pensamentos de Rubem Alves, poeta e educador

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

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