segunda-feira, 11 de março de 2013

CORREIO MFC BRASIL Nº 313



QUE TIPO DE PAPA?
AS TENSÕES INTERNAS DA IGREJA ATUAL
Leonardo Boff

Leonardo Boff
Não me proponho apresentar um balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feita com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa.
 
A
 questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo? Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.

Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo. O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.

Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade. O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia vive rem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.

O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de "Igreja" às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores, mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.

O modelo do diálogo é o do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellín e Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus.

O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição, mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.

O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão. Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade e a espiritualidade (os pedófilos, o roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano).

Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja, mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.
13 de fevereiro de 2013

AINDA A OPÇÃO PELOS POBRES
Helio Amorim – MFC/RJ
                                                                   
U
m desafio exigente: adesão à luta dos pobres e espoliados contra os mecanismos de exclusão que os condenam à desumanização. Assumir a causa dos excluídos e apostar tudo na construção de uma sociedade justa e solidária, em que haja equidade na distribuição da riqueza, com a superação do absurdo abismo que separam ricos e pobres, uma afronta intolerável ao projeto de Deus.

Jesus fez essa opção. Não há discursos e exegeses conciliadoras capazes de atenuar essa escolha conflitiva de Jesus pelos excluídos da sociedade de seu tempo. "Felizes vocês, pobres... Ai de vocês, ricos..." - é esse, na versão de Lucas, o discurso de Jesus sobre a Boa Nova que, segundo ele, é justamente anunciada aos pobres. Na verdade, esse discurso está longe de ser uma boa notícia ou evangelho, para os ricos. Se anunciamos que os oprimidos serão libertados da opressão, essa é uma boa notícia para eles, mas uma notícia preocupante para aqueles que os oprimem. Se lutamos para que aumente a sua fatia na partilha do bolo, estaremos avisando que vai diminuir a parte dos que o comiam sozinhos.

A lógica é irrefutável. O atendimento às reivindicações das classes mais pobres atinge os privilégios das classes favorecidas. Lutar por esse objetivo no interior da própria classe, nas associações, sindicatos, partidos e outras entidades formadas por pessoas, famílias ou grupos das classes médias, equivalerá a uma espécie de "traição de classe". Assim será interpretado por muitos. A rejeição é esperada. Este é o desafio.

Na associação de moradores, seria lutar pelo atendimento prioritário das necessidades da população favelada do bairro, mesmo em prejuízo das justas reivindicações dos demais moradores. Nos sindicatos patronais será defender até ou além do limite máximo, as propostas das classes trabalhadoras, com os argumentos claros e veementes de quem fez uma verdadeira opção pelos pobres. No exercício de funções públicas e na militância partidária, há de ser a promoção das mudanças estruturais que levem à equidade e à justiça, em benefício dos excluídos, conhecendo a inflexível matemática que indica os consequentes danos para as classes privilegiadas.

Talvez ir mais longe e colocar os talentos e recursos técnicos e intelectuais das classes médias a serviço dos movimentos de libertação que surgem das classes populares. Estas têm a força propulsora irresistível para exigir as transformações urgentes de estruturas sociais injustas. Nas classes médias estão muitos dos que serão capazes de ajudar na elaboração de novos projetos políticos, com o seu instrumental técnico e intelectual.

Esse pacto de classes, que estabelece uma relação intercultural funcional e eficaz, pode ser decisivo num processo de libertação, desde que os parceiros das classes privilegiadas não se arroguem o papel de condutores do processo, que cabe àqueles que lhe dão força e consistência. Cabe-lhes, sim, incentivar a organização dos setores populares, mas não lhes cabe conduzir essa organização. Deles se espera que ajudem a traduzir em formulações adequadas as autênticas aspirações das classes a que querem servir. A eles não se pede que elaborem ideologias de gabinete para as quais pretendam a adesão das classes populares, modalidade de ranço populista finalmente ultrapassada.

A atitude que se espera dos cristãos que deram esse passo é a de serviço desinteressado, talvez pouco gratificante para os que deles pudessem esperar certo prestígio pessoal que não afina com o espírito dessa opção.

Esses cristãos encarnam a versão de Mateus sobre o mesmo discurso de Jesus: "Felizes os pobres em espírito...", com que o evangelista inclui aqueles que não sendo pobres, aderiram à sua causa e, em muitos casos, deram a vida por ela.

FRASES
Santo Agostinho
O orgulho é a fonte de todas as fraquezas, por que é a fonte de todos os vícios.
O supérfluo dos ricos é propriedade dos pobres.
Não basta fazer coisas boas – é preciso fazê-las bem.
A angústia de ter perdido, não supera a alegria de ter um dia possuído.
Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser.
A medida do amor é amar sem medida.
Dois homens olharam através das grades da prisão; um viu a lama, o outro as estrelas.
Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem.
O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem seus pensamentos uns aos outros.
O mundo é um livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página.

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