quinta-feira, 22 de agosto de 2013

CORREIO MFC BRASIL Nº 333

   
AS PRÁTICAS SOCIOPOLÍTICAS
HELIO AMORIM – MFC RIO DE JANEIRO-RJ

O velho ditado do peixe e do anzol para socorrer quem está morrendo de fome, nos faz correr e dar o peixe, mas falta ensinar-lhe a pescar e garantir-lhe o direito de comer o peixe que pescou. Porque não é isto o que estamos vendo nesse modelo injusto de sociedade excludente e opressora. O papa Francisco denunciou a injustiça que condena os pobres a uma situação cruel de exclusão social. Incentivou os jovens a ir para as ruas e eles foram. Mas não bastam passeatas, prejudicadas pelos vândalos de sempre. Há caminhos mais exigentes para reverter estruturalmente a pobreza.


A
 maioria absoluta dos que trabalham não consegue usufruir do produto do seu trabalho. Produz alimentos, mas passa fome. Produz bens que nunca poderá possuir. Constrói boas casas, mas mora em barracos miseráveis. Os donos das máquinas e das fábricas, das fazendas e usinas, aqueles que investem seu capital na produção possuirão tudo o que braços e mentes produzirão. Aos trabalhadores pagarão salários insuficientes para comprar as coisas que produzem. Quer dizer, aquele que pesca não tem o direito de comer o peixe que pescou. Este é o complemento daquele ditado.

Essa equação cruel faz parte da lógica do sistema capitalista em sua forma habitualmente selvagem, que se reveste de uma vistosa e enganosa roupagem chamada neoliberal. Tudo será regulado pelo deus-mercado, cuja "mão invisível" cuidará que as tensões se equilibrem magicamente, dela resultando misteriosamente a justiça social e a paz, com igualdade de oportunidades para todos, numa sociedade igualitária e feliz.

O que observamos, mesmo os mais distraídos, é que essa utopia secular de Adam Smith nunca se realizou, em nenhuma parte do mundo. Os países mais ricos ainda conseguem se aproximar desse sonho utópico, à custa da histórica exploração dos países menos desenvolvidos, condenados à eterna pobreza e atraso. As relações comerciais internacionais são desonestas, com a imposição de baixos preços aos produtos primários exportados pelos países menos desenvolvidos.

Esses países ficam submetidos à competição desvairada entre si, estimulados pelo mercado comprador, para garantir as cotações negociadas habilmente nas bolsas dos grandes centros financeiros mundiais. É a lei da oferta e da procura, sempre manipulada por quem detém o poder econômico, com seus oligopólios e cartéis, produzindo ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres.

Voltando ao pobre pescador, que assim não pode comer o peixe que pescou, percebemos que esses mecanismos espoliadores são próprios de estruturas socioeconômicas desumanizadoras intoleráveis. O cristão conscientizado identifica essas engrenagens. Em sua ação profética, denuncia a sua maldade intrínseca. Também compreende que a denúncia não é suficiente. É urgente transformar essa realidade contrária ao projeto de Deus.

Essas transformações somente acontecerão por via política. O cristão é chamado a uma atuação política efetiva, num leque amplo de possibilidades e alternativas eficazes. Além da militância ativa em partidos políticos, são inúmeras outras oportunidades de ações dessa natureza através da participação nas múltiplas estruturas sociais intermediárias existentes ou que podem ser criadas.
   
  
A participação nos sindicatos, partidos políticos, centros de direitos humanos, comitês de cidadania, campanhas populares em defesa da justiça, associações de bairros e outras estruturas temporais da sociedade, será um caminho valioso para essa formação do cristão. Ao mesmo tempo, a sua presença nesses espaços levará a contribuição da fé na busca de soluções mais humanas para os problemas que essas organizações buscam resolver.

Paulo VI, na "Octogésima Adveniens" afirma que a ação política é uma das mais nobres maneiras de o cristão atuar no mundo, para transformá-lo. Muitos documentos posteriores da Igreja o reafirmam. No entanto, ainda são poucos os cristãos que aceitam esse desafio. Em geral, ficam de fora, apenas criticando aqueles que assumiram a política, com todos os riscos que essa opção implica. Ora, a humanização supõe estruturas sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas humanizadoras. Se não o são, serão contrárias ao projeto de Deus e devem ser substituídas por outras. A política, em suas variadas expressões, é o instrumento próprio para perseguir-se esse objetivo. É espaço a ser ocupado pelos cristãos, como opção de fé.

Então podemos melhor formular o ditado famoso: “a quem tem fome, dar o peixe, antes que morra; logo que possível, vencida a fome, dar-lhe o anzol e ensinar-lhe a pescar, para que não fique para sempre dependente de quem o socorreu; em seguida, juntar-se a ele na luta pelo direito de comer o peixe que pescou, impossível pelo salário injusto que lhe paga o dono do pesqueiro”.

O QUE O LIXO REVELA
MARCELO BARROS
MONGE BENEDITINO, ESCRITOR
   
Marcelo Barros
Há tempos que a imprensa internacional divulga denúncias sobre espionagem do governo dos Estados Unidos que pretende controlar mais profundamente o processo social e político em nossos países. Na vida cotidiana, redes sociais são usadas para devassar a vida privada dos cidadãos e a própria internet, ao invés de ser um meio de comunicação entre as pessoas, se torna instrumento para devassar a vida privada e os costumes dos cidadãos.

A
o mesmo tempo, notícias aqui e ali insinuam que, antes mesmo do período eleitoral, políticos contratam espiões para descobrir segredos de rivais perigosos. Poderosos de Brasília descobrem que o lixo de suas casas e escritórios não é apenas objeto de interesse por parte dos pobres que vivem da reciclagem. Existe também uma reciclagem não apenas de papéis e metais, mas principalmente de transações e relações ocultas que computadores velhos e papéis do lixo podem revelar.

Mesmo se evitamos a espionagem de nossa vida privada, de certa forma, o lixo que produzimos se parece conosco, ou diz quem somos e o nosso estilo de vida.

Além disso, o lixo de nossas casas parece gritar que o nosso modelo de sociedade está saturado, como resíduos de consumo que não têm mais onde se colocar. Somente os seres humanos produzem lixo, no sentido próprio do termo.

A natureza recicla sem problemas os dejetos animais e as folhas secas que apodrecem para tornar a terra mais fecunda e a vida renovada. Os animais não produzem lixo. Só a sociedade humana dita moderna produz um tipo de lixo que não se reincorpora no ciclo da vida. O lixo começou a gerar problema quando a sociedade passou a produzir plástico, eletrônicos e seus derivados, como pilhas e baterias. Para garantir o futuro da vida no planeta Terra, toda a humanidade é chamada a viver uma relação de maior justiça e amor com a Terra, os animais e toda a natureza. Para o futuro, não basta apenas separar os diversos materiais do lixo e reciclá-lo, se continua a consumir descontroladamente todo tipo de bugigangas para depois tentar o trabalho da reciclagem e reaproveitamento. Não basta reciclar. É preciso uma sobriedade de vida que nos leve a produzir menos lixo e a reaproveitar o mais possível nossos recursos. Uma sociedade baseada em objetos descartáveis parece nos conduzir a uma cultura em que até mesmo as pessoas são tratadas como objetos de uso e provisórias.

Na sua recente visita ao Brasil, o papa Francisco insistiu que os jovens criassem uma efetiva cultura de solidariedade. Isso precisa ser traduzido em formas concretas de novos estilos de vida. Nos mais diversos países, grupos e organizações sociais organizam um amplo movimento pelo consumo crítico e por um modelo novo de economia alternativa, solidária e eticamente responsável. No Brasil, existem belas iniciativas de cooperativas e trabalhos comunitários que se fundam nesse novo modelo de sociedade.

Grupos espirituais de todas as religiões releem o apelo de Buda para o desapego pessoal, as palavras de Jesus Cristo que convocam para a pobreza de coração. Hoje, isso se traduz pela orientação de assumir a sobriedade como caminho concreto para que outro modelo de sociedade seja possível. O consumo crítico e eticamente responsável é requisito indispensável de conversão interior, amor ao próximo e respeito pela criação, obra do amor divino. É preciso lembrar o que diz o Evangelho: o ser humano é mais do que o alimento. Vale mais do que a roupa. Por mais que nos preocupemos, não acrescentaremos um centímetro sequer à nossa estatura. Jesus pedia a seus discípulos: "Busquem acima de tudo a realização do projeto divino no mundo (o reino de Deus) e tudo o mais lhes será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).

A POESIA DE CHICO BUARQUE
A felicidade morava tão vizinha que, de tolo, até pensei que fosse minha.
Que saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar...
As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem.
Por favor, deixe em paz meu coração, que ele está até aqui de mágoa, e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água.
Hoje na solidão ainda custo a entender como o amor foi tão injusto pra quem só lhe foi dedicação.

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