quinta-feira, 23 de abril de 2009






UM NOVO OLHAR SOBRE OS VALORES

Logo que retornei de férias escrevi sobre a reforma que fiz em meu consultório e sobre a retirada dos quadros com os diplomas conquistados na minha vida profissional. Em seu lugar mandei colocar uma foto gigante, onde estou junto à minha mulher e meus dez filhos. Contei que, depois de uma avaliação cuidadosa, havia percebido que a esta altura da vida o que me restava como algo de valor era mesmo a minha família.

De início, recebi reclamação das noras e genros por não ter colocado, também na mesma foto, os netos. Respondi-lhes dizendo que hoje tenho três, e amanhã posso ter dez. Nesse caso, teria que ir atualizando anualmente a foto, correndo o risco de aparecer nela cada vez mais velho.

Senti também um olhar de tristeza de alguns amigos que fomos conquistando durante a nossa vida. De um, até ouvi um comentário (denotando frustração) de que: “ter amigo é importante, mas família de fato é que é um valor perene”.
No entanto, o que mais me incomodava era essa exclamação: “que bela família doutor!”. Todas às vezes (e, várias vezes por dia) essa frase foi sendo repetida. De início, eu respondia sorrindo: “é mesmo, que linda família eu possuo”.

Depois que as pessoas saiam da sala, eu ficava olhando para a foto e refletindo que de fato possuo dez lindos filhos e uma maravilhosa e valente mulher. Amo e compreendo cada um deles de modo especial. Também não tenho nenhuma dúvida de que por eles sou amado. Cada filho para mim representa um sentido novo para seguir trabalhando e vivendo. Cada um isoladamente consegue preencher essa minha necessidade de ser pai, e gratifica com gestos e atitudes o meu esforço de ter partilhado a paternidade com tantos. Essa sensação de plenitude eu chamo de parcial felicidade. Quase realização.

No entanto, ser família exige outros predicados. É um compromisso muito mais sério. Ser família é nunca ter desconfiança da necessidade de estar presente para ver crescer a união e a solidariedade entre seus componentes. Na minha infância eu aprendi com minha mãe que ser família é ter coragem de morrer um pelo outro. Ser família é colocar sempre a minha necessidade em segundo lugar. Ser família é não ter ressentimentos. Ser família é estar sempre disposto a pedir perdão. Ser família é ter a confiança de que o outro sempre estará receptivo a entender a minha atitude. Ser família é estar permanentemente aberto ao perdão, sem nem esperar que o outro se mova nesta direção.

Conclusão: “mandei descer o retrato da parede”. Estou totalmente convencido de que família é um ideal em construção (estado de total felicidade), e a foto comprovadora podia passar para mim uma falsa sensação de dever cumprido. Ser família é tarefa comprida e inacabada, incompatível com uma simples e instantânea documentação fotográfica.
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