sábado, 5 de junho de 2010


A Igreja tem um velho problema por resolver. A cada momento se vê envolvida com desvios de comportamento sexual de um número preocupante de clérigos que causam estragos na sua credibilidade e rombos em suas finanças.

A CRISE TEM CAUSAS A REMOVER
Hélio e Selma Amorim*

Os casos graves e numerosos de pedofilia desocultados em vários países, tentativamente encobertos sistematicamente pela hierarquia superior, vêm sendo amplamente divulgados mundo afora, gerando justa revolta e indenizações milionárias às vítimas dessas agressões.

Autoridades religiosas têm manifestado preocupações sobre o risco de desdobramentos de comportamentos incorretos no exercício futuro de suas funções, já que sacerdotes estarão sempre envolvidos com grupos de diferentes faixas etárias, em colégios religiosos e paróquias, muitas vezes envolvendo crianças ou adolescentes sem maturidade para defender-se de eventuais assédios de natureza sexual.

Também se vão revelando nos seminários de formação de sacerdotes elevado percentual de jovens homossexuais e consequentes práticas de homossexualismo em níveis e freqüência acima dos índices sociais desse aspecto da sexualidade humana. O Vaticano chegou a anunciar há cerca de um ano uma mega operação mobilizando grande número de inspetores para visitar 229 seminários norteamericanos e investigar a incidência do problema do homossexualismo. Visava à exclusão de candidatos ao sacerdócio que apresentassem essa tendência sexual, o que seria uma discriminação inaceitável.

Esse quadro – certamente realista – ressalta o fato de estar a Igreja lidando com uma das questões não ou mal resolvidas nas doutrinas, disciplinas e práticas eclesiais. A sexualidade humana foi sendo demonizada ao longo dos séculos, na construção do corpo de doutrinas e normas eclesiásticas, nem sempre rigorosamente evangélicas. Foram elaboradas por santos teólogos varões, celibatários forçados, geralmente submetidos a uma formação castradora do impulso sexual, para serem capazes de defender-se do risco de envolvimentos afetivos e assédios de forte estimulação de sua sexualidade que pusessem em risco o voto do celibato imposto.

A castração intencional de um impulso tão fundamental é uma violência contra a pessoa humana e contra Deus que nos dotou a todos desse estímulo rico para a construção de relações interpessoais profundas e humanizadoras. Para construí-las e constituir família fomos criados.

Por outro lado, a sublimação livre e espontânea desse impulso, não condicionada ou induzida por pressões psicológicas e preconceituosas contra a sexualidade, para abraçar uma vocação rara e especial de serviço ao Povo de Deus, em situações limites, é sem dúvida um valor heróico. Não é o caso da maioria dos sacerdotes designados para gerir uma paróquia ou exercer o magistério em seminários e universidades católicas, atividades compatíveis com a constituição de uma família e a realização plena da sexualidade que alimenta uma rica vivência afetiva querida por Deus.

Arriscamo-nos a afirmar que na norma do celibato obrigatório está a origem dos problemas que a Igreja pretende resolver de forma canhestra e preconceituosa. O homossexualismo não é uma enfermidade ou deformação de caráter. A ciência ensina que tem origem na formação biopsíquica original do ser humano, que definirá sua constituição sexual não apenas orgânica e morfológica, mas o direcionamento do impulso para relações afetivas profundas homo ou heterossexuais. A ampla predominância da segunda tendência na sociedade não permite desqualificar a outra como deformação ou enfermidade psíquica.

Em suma, a vocação para o sacerdócio pode ser viva e verdadeira tanto no homossexual como no heterossexual que também tenha uma forte e bela vocação para o casamento e a paternidade. Um e outro não deveriam ser impedidos de abraçá-las, por não se configurar qualquer incompatibilidade.

O crescimento da participação de homossexuais no conjunto de candidatos e no próprio clero já ordenado pode ser explicado também pela norma do celibato obrigatório. Com efeito, o homossexual justifica socialmente a sua dificuldade para relações afetivas com mulheres por seu voto de celibato solenemente assumido. Sente-se, por outro lado, atraído por integrar-se a uma corporação exclusivamente masculina, que corresponde ao tipo de convivência próprio de sua constituição sexual. Nos seminários, ao longo de anos de convivência, acresce a possibilidade do envolvimento afetivo e da prática homossexual que agora estará sendo investigada naqueles países.

É claro que ninguém acredita tratar-se de um fenômeno exclusivo dos países já reconhecidamente afetados. É uma advertência aos reitores de todos os seminários do planeta, para que não adotem esse repúdio preconceituoso de homossexuais. Tampouco a homossexualidade explicará os desvios para a pedofilia criminosa. É mais provável que esse tipo de assédio tenha autores heterossexuais cujo impulso sexual tenha sido reprimido por aquela formação castradora que acaba aflorando sob formas odiosas de comportamento.

É chegado ainda que tardio o tempo propício para a discussão ampla da sexualidade na vida da Igreja e em suas normas e doutrinas questionáveis sobre essa rica realidade humana. O mesmo se aplica à persistente exclusão das mulheres do acesso ao sacerdócio, uma expressão inaceitável do medo da feminilidade nos espaços do clero e governo da Igreja.

Essa visão deformada da sexualidade também interfere freqüente e indevidamente nas doutrinas sobre relações conjugais, no planejamento familiar, e de modo injustificável na acolhida “generosa” e humilhante aos que fracassaram no casamento e reconstruíram a sua vida afetiva com benefícios para todos os envolvidos, minimizando os efeitos sofridos da separação irreversível.

*Membros do MFC - Movimento Familiar Cristão e do INFA Instituto da Família.

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