As recentes viagens do papa Bento XVI têm sido no mínimo decepcionantes se pretende recuperar a credibilidade da Igreja mundo afora. A exibição imperial do papa, cercado de aparato policial em confronto com manifestações desrespeitosas nas ruas não contribui para esse fim. É uma pena.
RESTAURAR A CREDIBILIDADE ARRANHADA
Hélio Amorim
Membro do MFC/RJ
A perda de credibilidade da instituição é fatal para a atuação transformadora dos cristãos católicos na sociedade, no anúncio do Reino e na denúncia de tudo que se opõe à sua concretização assim na terra como no céu. As feridas em sua autoridade moral são ainda mais graves, depois do desocultamento de práticas hediondas de muitos de seus clérigos, não devidamente reprimidas e punidas com a severidade tempestiva e merecida.
A centralidade do discurso eclesiástico que a imprensa divulga vai se restringindo à condenação do aborto, do “casamento” de homossexuais, dos preservativos e a oposição ao desenvolvimento de pesquisas com células-tronco. Manifestações sobre os realmente graves problemas da humanidade morrem nas sacadas do Vaticano, entre as colunas de Bellini, sem maior repercussão. No momento eleitoral recente no Brasil, uma manifestação do papa nas vésperas do pleito, a pedido de alguns bispos brasileiros em visita a Roma, não foi capaz de influir minimamente sobre os votos de uma população, maiormente cristã.
É preciso reverter essa perda de credibilidade, empecilho à evangelização.
Imaginamos o que agregaria ao seu prestígio a simples visita a países em situação de miséria, de sofrimento, de fome ou submetidos a catástrofes da natureza. A ainda recente viagem à pobre África não cumpriu esse papel, marcada apenas pela condenação dos preservativos, num continente sacrificado pela AIDS que afeta 25% da sua população. A preocupação com a miséria em alguns países da região ficou perdida com o debate daquela questão, elevada a categoria de disciplina imutável, como se fora um dogma. O foco do discurso pontifício deveria ser a denúncia dos mecanismos injustos de exploração e geração de pobreza no mundo, apontando a África como a vítima paradigmática, exigindo mudanças profundas nesse cenário cruel.
Visitas certamente arriscada a regiões dizimadas por guerras e terrorismos, com apelos ao entendimento e denúncias dos interesses envolvidos nesses conflitos teriam enorme repercussão, restabelecendo a imagem de uma Igreja profética e promotora da paz no mundo.
Seria fortemente simbólica uma visita papal ao Haiti, o país mais pobre do continente americano, submetido a tragédias sucessivas com milhões de mortos e outro milhão de haitianos amontoados em acampamentos toscos e insalubres há mais de ano, vítimas de terremoto de intensidade inédita, agora atingidos por grave surto de cólera seguido de uma tempestade destruidora que ajuda a propagar a doença. Levar na visita a garantia de ajuda internacional dos católicos com prévia campanha de mobilização dos cristãos de todo o mundo. Tal manifestação de misericórdia nesse nível hierárquico teria efeito sobre consciências com resultados práticos para aquela martirizada população. Também somaria na busca de maior credibilidade da Igreja, embora não devesse ser essa a intenção da excursão papal. Melhor ainda se a visita mostrasse um papa com uma simples batina, no meio dos pobres acampados, sem os adornos coloridos usuais.
Por outro lado, cada acontecimento marcado por injustiças no planeta deveria merecer pronta manifestação severa e contundente do papa em entrevista coletiva de imprensa, sem restrições diplomáticas na condenação explícita dos autores das maldades. A imprensa mundial não se interessa em divulgar rapapés diplomáticos.
Talvez, quem sabe, uma visita ao Iraque ainda seja oportuna, embora um pouco atrasada.
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