O primeiro passo para compreender e aceitar Jesus como
modelo para homens e mulheres de todos os tempos, é compreender e aceitar a sua
humanidade verdadeira. Jesus esteve sujeito plenamente às nossas mesmas
limitações humanas, tornando-se igual a nós, em tudo menos no pecado. Essa
diferença única quer significar que Jesus nunca se colocou contra o projeto de
Deus, como o fazemos com infeliz frequência.
JESUS
VERDADEIRO HOMEM – PARTE I
HELIO AMORIM
– MFC/RJ
J
|
esus
nasceu carente e indefeso, precisando dos cuidados diligentes de seus pais para
sobreviver, aprender a andar, a se alimentar, a ler e escrever, como qualquer
ser humano. Assim foi desenvolvendo sua personalidade, sob os mesmos impulsos
que nos animam. Sua natureza divina se manteve oculta, e em nada interferia em
sua natureza humana, como é afirmado, oficialmente no Concílio de Calcedônia.
Esse
Concílio se preocupou em deixar isto claro, pois muitos cristãos entendiam a
humanidade de Jesus como uma encenação preparada por Deus para fingir-se homem,
desempenhando um papel em que as limitações humanas não passariam de mera
representação teatral para apenas transmitir uma mensagem ensaiada
antecipadamente. Se assim fosse, Jesus não poderia ser modelo para o homem
comum.
Não
se pode, por exemplo, aceitar que Jesus já nasce predestinado a morrer tão
jovem e daquela maneira. Ele próprio não esperava por isso. Só no último ano de
sua vida pública começou a ter consciência dos perigos que corria por sua
pregação e seus atos. É a partir dessa percepção que ele se torna mais
cauteloso, falando por parábolas para que ficasse mais difícil usarem contra
ele as denúncias contundentes que fazia em público. Os teólogos se referem a
esta guinada na pregação de Jesus como a crise da Galileia.
Era
de se esperar que a sua fidelidade à missão de anunciar o Reino, naquele
contexto histórico marcado pela injustiça e a opressão política e religiosa,
resultasse em perseguição e morte. Mas esse desfecho cruel não era condição
para avalizar a sua mensagem. Fomos libertados, não pela morte, mas pela vida
de Jesus. Não pelo sacrifício da cruz, mas pela vitória de Jesus sobre a morte,
estendida a todos os homens e mulheres de todos os tempos.
Esse
é o mistério da redenção. O desfecho histórico poderia ter sido outro. Jesus
poderia ter morrido idoso, anunciando e dando sinais do Reino durante uma longa
vida, vencendo a morte natural pela ressurreição e encontro com o Pai, destino
final de todos os homens e mulheres por Ele criados. Sua morte foi decidida
pela maldade dos homens que o condenaram e o executaram quando era ainda jovem.
A
cruz foi, portanto um acidente. Não fomos salvos pelo sacrifício da cruz. A
cruz era uma possibilidade e risco, mas não condição essencial para a acolhida
de sua mensagem após sua morte.
Mas
o sentido da cruz é riquíssimo para os cristãos. É a medida da fidelidade
esperada de cada cristão no seguimento de Jesus, sem medo de consequências, sem
fugas, na adesão sem limites ao projeto humanizador de Deus, implacável contra
toda forma de injustiça e opressão.
Esse
seguimento implica em atitudes, práticas e denúncias que incomodam os
poderosos, resultando em perseguições, incompreensões, perda de privilégios,
prejuízos morais e materiais, sofrimento e experiências amargas de abandono e
frustração. Jesus sofreu tudo isto, e sofreu de verdade, por ser plenamente
homem. Não foi uma encenação. O desfecho não "estava escrito", como
fatalidade ou desígnio de Deus. Poderia ter sido diferente. (Continua)
OS “ANOS DE
CHUMBO” E A COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE - PARTE VI
Rubem Paiva |
A Comissão investigará a morte de
Rubem Paiva.
Antecipa e confirma seu assassinato
pela repressão policial no DOI-Codi.
D
|
urante
mais de quatro décadas, a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, de 52 anos, não
teve qualquer notícia sobre a circunstância do desaparecimento do pai, o
ex-deputado federal, engenheiro e empresário paulista Rubens Paiva. Nesta
terça-feira, 27/11, ela teve acesso aos primeiros documentos que ajudam a
elucidar o mistério e lançam luzes sobre um dos episódios sombrios da
repressão.
Os
papéis que Maria Beatriz recebeu, em solenidade no Palácio Piratini, na
Capital, registram a entrada de seu pai no Departamento de Operações e
Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na rua Barão de
Mesquita, no Rio, em 1971, e um termo de "cautela",
datado de 4 de fevereiro do mesmo ano, descrevendo documentos apreendidos no
veículo de Paiva. Até então, havia apenas relatos verbais sobre o ingresso de
Rubens Paiva no DOI-Codi e as circunstâncias em que ele teria permanecido no
quartel-símbolo da repressão.
Os
documentos vieram à tona somente agora porque eram mantidos pelo coronel Julio
Miguel Molinas Dias, ex-comandante do abominável DOI-Codi. Molinas Dias foi
morto neste 1º de novembro, em Porto Alegre, em circunstâncias ainda não
esclarecidas.
A POESIA DE
RUBEM ALVES
Contei
meus anos e descobri
Que
terei menos tempo para viver do que já tive até agora...
Tenho
muito mais passado do que futuro...
Sinto-me
como aquele menino que recebeu uma bacia de jabuticabas...
As
primeiras, ele chupou displicentemente...
Mas,
percebendo que faltam poucas, rói o caroço...
Já
não tenho tempo para lidar com mediocridades...
Inquieto-me
com os invejosos tentando destruir quem eles admiram.
Cobiçando
seus lugares, talento e sorte...
Já
não tenho tempo para administrar melindres de pessoas
As
pessoas não debatem conteúdo, apenas rótulos...
Meu
tempo tornou-se escasso para debater rótulos...
Quero
a essência... Minha alma tem pressa...
Sem
muitas jabuticabas na bacia
Quero
viver ao lado de gente humana... muito humana...
Que
não foge de sua mortalidade.
Caminhar
perto de coisas e pessoas de verdade...
O
que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e
tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse
você".
A
gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala
só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que
o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros.
Aprendi prestando atenção.
As
palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos
palavras para melhorar os olhos. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada
veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido! Eu quero
desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar
emoções, recuperar sentidos.
Amor
é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. De alguma
forma a gota de chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de
novo, mar afora. Morte e ressurreição. Na dialética do amor, a própria
dialética do divino. Quem não pode suportar a dor da separação, não está
preparado para o amor. Porque o amor é algo que não se tem nunca. É evento de
graça.
Aparece
quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta, a alegria volta
com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela
alegria do reencontro.
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