A união de um homem e uma mulher,
fundada no amor, num projeto de vida a dois que inclui a constituição de uma
família, firme desejo de estabilidade, respeito às individualidades,
compromisso recíproco de empenho na plena realização pessoal do outro, é um
relacionamento humanizador por excelência.
OS SACRAMENTOS DIVINOS (III)
*HELIO AMORIM – MFC/RJ
O POTENCIAL
HUMANIZADOR
DA UNIÃO CONJUGAL
P
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ara
os cristãos, numa perspectiva de fé, uma união assim assumida, se apresenta
como um símbolo da relação amorosa e humanizadora de Deus com o seu Povo.
Se
os que assim se unem, assumem a sua união com plena consciência de sua dimensão
simbólica, e tomam o amor de Deus como inspiração e modelo para a vivência e
crescimento do amor conjugal, este símbolo é proclamado como sinal ou
sacramento do amor de Deus.
Dizemos
que o sacramento, naquela visão de fé, é um sinal sensível (que se percebe
pelos sentidos, é visível nos seus gestos e manifestações) e eficaz (reproduz e
alimenta o seu conteúdo simbólico). Ou seja, o casal que assim se ama, nos faz
recordar o amor de Deus e, ao mesmo tempo, faz crescer o amor daqueles que o
assumiram nessa perspectiva sacramental.
O
sacramento do matrimônio é um sacramento divino, por sua referência a Deus.
Como nos demais sacramentos, há uma matéria prima indispensável: o amor entre
um homem e uma mulher que, numa perspectiva de fé, tomam o amor de Deus por nós
como modelo para o seu amor. Os que assim se unem conheceram como o Deus da
Bíblia nos ama: amor gratuito e fiel, amor-doação-serviço comprometido com a
nossa humanização, que respeita a nossa originalidade, e aceita nossas limitações.
Amor que não domina, antes nos liberta, que não manipula e sufoca, antes nos
promove e ajuda a caminhar, um amor capaz de levar a dar a vida por nós (o que
não é simples hipótese romântica mas morte real e de cruz).
Então
percebem que a sua união, fundada no amor, é um sinal ou reflexo ainda que
pouco luminoso do amor de Deus. Estão dispostos a viver esse amor numa profunda
relação interpessoal, dialogal, de revelação mútua, comprometidos com a
realização das potencialidades do outro, que se expresse em atos concretos e
gestos simbólicos. Nunca fechado em si mesmo, mas aberto ao mundo e
comprometido com a justiça e a humanização da história humana, nela intervindo,
como Deus sempre o fez, em favor nos mais fracos. Estão prontos, então, a
proclamar que a sua união é um sacramento divino. Para isso, convidarão a
comunidade cristã, seus parentes e amigos, aos quais anunciarão a sua união e
pedirão apoio para vivê-la nessa dimensão sacramental. Esse é o sentido da
celebração religiosa do casamento que inaugura uma nova família cristã. A
comunidade presente, consciente do que está sendo celebrado, responderá ao
pedido do casal, comprometendo-se a ajudá-lo na concretização da sua disposição
de se amarem sempre como Deus nos ama.
O
sacerdote que, em nome da comunidade preside a celebração, reconhece e
proclama, então, que essa união é um sacramento divino, cujos ministros são, na
verdade, os que se casam. Porque, de fato, somente eles são capazes de dar à
sua união essa dimensão sacramental. Este ritual tão emocionante e a vivência
do casal serão os sinais sensíveis desse sacramento. A Graça que tornará esse
sinal eficaz será derramada por Deus sobre o casal e sobre todos aqueles que
assumiram o compromisso de ajudá-lo a viver a sua união como sacramento.
Temos
que reconhecer que muitos, talvez a maioria dos casamentos que se celebram nas
igrejas, não são sacramento, não obstante a bela coreografia montada, com
música, flores e tapetes. Não passam de um ato social, enraizado na nossa
cultura, mas nada tendo a ver com a fé, sem referência consciente ao amor Deus
tomado como modelo de uma união humanizadora, com os compromissos dele
decorrentes.
Por
outro lado, há graus de sacramentalidade matrimonial. Se a dimensão sacramental
decorre da qualidade e profundidade do amor que une o casal, quanto mais se
amam, mais se assemelhará o seu amor ao amor de Deus, portanto, mais nítida e
real será a sua sacramentalidade. Na vivência do casal, ao longo de sua vida
conjugal, haverá tempos de maior e tempos ou momentos de menor densidade
sacramental.
Essa
concepção representa um desafio evidente. Quer dizer que o sacramento não é um
selo de garantia ou marca indelével e definitiva gravada numa linda celebração.
Aquele não foi um ato mágico, que transformou em sacramento o que antes não
era. Na verdade, a sacramentalidade nasceu no momento em que os dois
reconheceram a semelhança do seu amor com o amor de Deus e o assumiram como
tal. A celebração foi o anúncio e o pacto estabelecido com a comunidade cristã.
Tampouco ficou definido, naquele momento, o grau de sacramentalidade da sua
união. Talvez fosse apenas incipiente e ainda débil essa dimensão sacramental,
diante do imenso potencial de crescimento e amadurecimento do amor dos dois.
Esse
é o desafio: a sacramentalidade da união conjugal é chamada a crescer,
consolidar e aprofundar-se. Ou seja, o amor que os uniu terá que ser cultivado
cuidadosamente, no dia-a-dia da vida conjugal e familiar para que cada vez mais
se pareça com o amor de Deus.
Assim,
todos os gestos e ações que contribuem para o crescimento do amor,
acrescentarão mais densidade sacramental à união conjugal. O carinho e gestos
de ternura, o relacionamento sexual como expressão e celebração festiva do
amor, a ajuda mútua, o reconhecimento das qualidades do outro, o incentivo à
sua realização pessoal, o respeito à individualidade - tudo contribuirá para o
crescimento do amor e, portanto, para a crescente densidade sacramental da
união conjugal. Mas vice-versa: a falta desses alimentos pode esvaziar o amor e
a sacramentalidade no princípio assumida.
Podemos
concluir que o potencial humanizador da união do homem e da mulher está
diretamente relacionado com a sua sacramentalidade, se esta tem sua densidade
definida pela profundidade do amor humanizador que os une.
Isto
vale para os cristãos e os não-cristãos. Estes, se vivenciam a sua união
fundada num amor humanizador semelhante ao amor de Deus, não saberão, por estar
ausente a fé, que nela há uma dimensão de sacramentalidade, não expressa e
proclamada. Essa dimensão é percebida pelos que os conhecem e os veem com os
olhos da fé. Em qualquer tempo poderão descobri-la e anunciar com alegria a
sacramentalidade só então percebida. E reconhecer que ela é muito anterior à
descoberta tardia.
*Descomplicando
a fé” – Editora Paulus
O MACHISMO NA HISTÓRIA DO POVO DE DEUS
L
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emos
no Eclesiástico, em sua tradução mais branda: "É melhor a maldade do homem
do que a bondade da mulher: a mulher cobre de vergonha e chega a expor ao
insulto". (Eclo. 42, 14).
São
Paulo não escapa aos condicionamentos culturais do seu tempo: "As mulheres
se calem nas assembleias porque não lhes compete falar, mas viver sujeitas,
como diz a Lei. Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem em casa a seus
maridos, porque não é conveniente a mulher falar na assembleia" (1Cor 14, 34-35).
"A
mulher ouça a instrução em silêncio, com espírito de submissão. Não permito que
a mulher ensine nem se arrogue autoridade sobre o marido, mas permaneça em
silêncio, pois o primeiro a ser criado foi Adão, depois Eva. E não foi Adão que
se deixou iludir, mas sim a mulher que, enganada, incorreu em transgressão; mas
ela poderá salvar-se, cumprindo os deveres de mãe, contanto que permaneça com
modéstia na fé, na caridade e na santidade" (1Tm 2, 11-15).
Santo
Tomás de Aquino, o santo teólogo, fortemente influenciado por Aristóteles,
reforçava essa discriminação: "A mulher foi criada mais imperfeita que o
homem, porque, naturalmente, no homem há mais discernimento e razão".
"A
mulher é um ser acidental e falho. Por natureza, a mulher é inferior ao homem,
em força e dignidade, e por natureza lhe está sujeita, pois no homem, o que
domina, pela sua própria natureza, é a facilidade de discernir, a
inteligência".
Algumas
grotescas e divertidas: "A beleza física não vai além da pele. Se os
homens vissem o que está sob a pele, a visão das mulheres lhes viraria o
estômago. Quando nem sequer podemos tocar com a ponta do dedo um cuspe ou
esterco, como podemos desejar abraçar esse saco de excremento?" (Odon, abade de Cluny, sec. X).
"Dentre
todas as armadilhas que nosso inimigo ardiloso armou através de todas as
colinas e planícies do mundo, a pior e aquela que quase ninguém pode evitar é a
mulher, funesta cepa de desgraça, muda de todos os vícios, que engendrou no
mundo inteiro os mais numerosos escândalos". (Marborde, bispo de Rennes e depois monge em Angers).
Essa breve
coletânea serve para confirmar que o preconceito existe, é antigo e bastante
arraigado na reflexão da Igreja. Impede até hoje que sequer se cogite, por
exemplo, a ordenação de mulheres e sua inserção no governo da Igreja...
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