O presente de Deus à
humanidade é sinal da condescendência
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
O
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que fazer dos muitos presentes recebidos nos
Natais passados e no Natal que se aproxima? Muita gente acumula coisas em casa
e fica abarrotando quartos com brinquedos, armários com aquelas coisas que
"um dia poderão servir". Há pessoas que logo encontram um destino
adequado ao que é realmente útil ou, melhor ainda, sabem partilhar o que é
supérfluo para elas. Entretanto, valem os gestos de amizade, a troca de
atenções e a generosidade dos dias de fim de ano. Mas os presentes de Natal são
apenas ponto de partida para outra conversa.
A humanidade recebeu
um presente, o maior de todos, quando o Verbo de Deus se fez carne no ventre da
Virgem Maria. Não se trata de um acontecimento de pouca importância, mas
"do acontecimento" que mudou a história do mundo, diante do qual
mudaram as datas e o coração das pessoas. E os cristãos, chamados a cuidar do
grande legado da fé, têm a responsabilidade de anunciar a todos a grande
notícia, que é alegria para todo o povo e para todas as gerações. "Natal é
o encontro com Jesus. Deus sempre buscou Seu povo e o guiou, tomou conta dele e
prometeu que estaria sempre perto. No Livro do Deuteronômio, lemos que Deus
caminha conosco, guia-nos pela mão como um pai faz com seu filho. Isto é
maravilhoso! O Natal é o encontro de Deus com Seu povo, e é também um mistério
de consolação" (Papa Francisco, em
recente entrevista ao jornal italiano "La Stampa").
O presente de Deus à
humanidade é sinal da condescendência com cada pessoa e com todas as situações
vividas. Lição de carinho pensado desde a eternidade no plano de Deus, com o
qual fomos feitos por amor, no amor e para o amor. Um mundo que foi planejado para
que as pessoas sejam felizes, e não para a perdição. A plenitude dos tempos,
seu amadurecimento realizado, irrompeu quando a Virgem Maria deu à luz o Menino
de Belém. Sua presença veio mostrar que a vida humana vale muito, tanto que tem
o preço do amor infinito de Deus. Em tempos como o nosso, em que a vida é
vilipendiada, desprezada e jogada no lixo das cidades e da história, o Menino
do Presépio é testemunha de que a humanidade só encontrará sua estrada de
realização e felicidade quando a sementinha de vida for acolhida com amor,
tratada com carinho e custodiada da fecundação até seu ocaso natural. Não
podemos nos iludir! As falcatruas legais com as quais a vida vem a ser
destruída trarão suas consequências, pois o salário do pecado é a morte (Cf. Rm 6, 23).
A Sagrada Escritura
está recheada de repreensões feitas pelo Senhor a um povo de cabeça dura. Os
sucessivos profetas não hesitaram em lançar em rosto justamente ao povo que
pertencia a Deus suas censuras. E o povo de nosso tempo, cuja herança da fé
cristã foi dada em legado, o que fez dos valores do Evangelho? Não é segredo
que, muitas vezes, o "mea culpa" do reconhecimento dos pecados foi
feito por nós cristãos e haverá de ser sempre atual. Não basta nos enfeitarmos
em trajes de festa e jogar para debaixo do tapete nossa incoerência. Somos nós
os que primeiro devem tomar consciência de que os valores do Evangelho, como a
verdade e a sinceridade, o amor à vida e a seriedade na administração dos bens
materiais e espirituais foram desprezados e a esperteza ou os interesses
passaram na frente.
A falta de lisura na
prestação de contas, os desvios de verbas públicas e o "por fora" da
corrupção são absolutamente incoerentes com o Cristianismo. Cuidar do presente
recebido de Deus é ter a coragem de recomeçar, reconhecer erros cometidos,
limpar as mãos e o coração. Este é um apelo urgente, em nome do Natal. A
história mostra que o Cristianismo, malgrado as falhas de todos os que o
professam, gerou cultura. É impensável separar a arte dos séculos passados da benéfica
influência do Evangelho. Nasceram da Igreja expressões pictóricas e esculturais
e peças musicais em profusão. Em muito, foi à sombra da Igreja que o teatro se
desenvolveu e consolidou. Os monumentos históricos têm incrustados em seus
traços as virtudes e os pecados de gerações de cristãos. E a educação ou a
saúde e tantas ações sociais? A sensibilidade e a solidariedade foram
cultivadas a partir do Evangelho e por ele sustentadas. Ignorar a Igreja,
pretender jogá-la no lixo da história é, no mínimo, injustiça. Mas é ainda
cegueira pura a pretensa iluminação dos que julgam ser os novos criadores do
universo a partir do nada. Assistimos em nossos dias ao espetáculo do laicismo
militante, tributário dos muitos desastres que já se entreveem. Parecemos crianças
que teimam em por a mão na tomada. O choque já veio e virá!
Muito maior é a
vertente positiva, com a qual podemos celebrar mais uma vez o Natal. Continuam
verdadeiros os sentimentos mais autênticos nascidos do Presépio. É ainda e
sempre será bom e bonito espalhar presentes, ir ao encontro dos mais pobres, experimentar
a partilha dos bens, sorrir, saudar os outros com afeto. É nosso programa para estes
dias, para recuperar todas as lições dos muitos natais da história e de nossa
vida pessoal. É do Papa Francisco a lição do Natal de 2013, na citada
entrevista: "Deus nos diz duas coisas. A primeira: tenham esperança. O
Senhor sempre abre as portas e nunca as fecha. Ele é o Pai que nos abre as
portas. Segunda: não tenham medo da ternura. Quando os cristãos se esquecem da
esperança e da ternura, tornam a Igreja fria, sem saber para onde vai e se
enrola em ideologias e atitudes mundanas, enquanto a simplicidade de Deus lhe
diz: 'Vá para frente, eu sou um Pai que te acaricia'. Tenho medo quando os
cristãos perdem a esperança e a capacidade de abraçar e acariciar". É tempo
de preparar-se, despojando-nos de preconceitos, purificando o coração, jogando
fora o que existe de mais velho em nós, o egoísmo, para revestir-nos dos mesmos
sentimentos que foram os de Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido em Belém,
morto e ressuscitado, presente na história, vivo para sempre. A Ele sejam dadas
a honra e a glória, hoje e em todos os séculos, pela eternidade.
*Dom Alberto Taveira foi
Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte.
Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e
Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do
Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar,
entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da
Arquidiocese de Belém - PA.
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